Folha de S. Paulo


Interesse no Brasil não vai mudar com Trump, diz embaixadora dos EUA

A embaixadora americana no Brasil, Liliana Ayalde, tentou, nesta quinta-feira (17) tranquilizar empresários brasileiros de que, apesar de possivelmente haver "ajustes" na relação entre os dois países com a posse de Donald Trump, o "interesse básico" dos EUA na parceria com o Brasil não vai mudar.

"Nosso compromisso com o Brasil não é um capricho político transitório. Pelo contrário: é um princípio e um interesse fundamental da política externa dos EUA", disse Ayalde a uma plateia de cerca de 200 pessoas, durante um seminário promovido pela Câmara Americana de Comércio (Amcham).

Ruy Baron/Folhapress
Liliana Ayalde, embaixadora dos Estados Unidos no Brasil
Liliana Ayalde, embaixadora dos Estados Unidos no Brasil

"Haverá ajustes de ênfases em iniciativas ou novos programas serão criados para refletir o enfoque diferente da nova administração, mas não acredito que isso vá mudar significativamente a direção positiva da nossa relação de modo geral", completou.

A embaixadora, que deixa o posto no fim de dezembro –ela será sucedida pelo diplomata Peter Michael McKinley, que assume em 11 de janeiro–, demonstrou otimismo com um Trump pós-eleições.

"Uma coisa é estar na campanha, outra coisa é estar na Presidência", disse a jornalistas. Ao ser questionada se já via mudanças importantes na atitude e na retórica do presidente eleito, a embaixadora disse que sim. "Ele está mais temperado."

Ayalde lembrou o pronunciamento mais "moderado" feito por Trump depois de se encontrar com Obama, na última semana. "Ele elogiou o presidente por algumas de suas conquistas e disse que ia chamar Obama para lhe dar conselhos. Coisas que antes eram impensáveis", afirmou.

COMÉRCIO

A embaixadora reconheceu que ainda não há "detalhes suficientes" sobre o que será a "parte operativa" do que Trump falou durante a campanha – que, segundo ela, "foi sem dúvida muito agressiva e emocional".

A diplomata americana, contudo, afirmou que a agenda comercial bilateral "não vai desaparecer" por beneficiar os dois países.

"Precisamos de emprego e de prosperidade não só nos EUA como no Brasil, então a parte comercial é indispensável na nossa agenda", disse. Ayalde afirmou ver potencial para mais parcerias não só comerciais, mas também na área de segurança.

A balança comercial entre os dois países foi de US$ 50,5 bilhões em 2015 –uma queda de 18,5% em relação ao ano anterior. O Brasil teve deficit de US$ 2,4 bilhões em 2015.

A embaixadora ainda minimizou os possíveis impactos das declarações do chanceler José Serra sobre Trump durante a campanha. Em junho, ele chegou a afirmar que a vitória do republicano seria um "pesadelo".

"O próprio ministro Serra falou: treino é treino, jogo é jogo. (...) O próprio presidente eleito também fez comentários agressivos contra Obama e depois se sentou com ele", disse. "Tem momentos que a política é agressiva, mas tem momentos que tem que ser prática e ver o interesse dos países além das pessoas. Acho que isso vai ser superado."

EVITAR CLICHÊS

Com até mais ênfase que a embaixadora americana, o diretor do departamento responsável pelos Estados Unidos no Itamaraty, Ernesto Fraga Araújo, tentou mostrar aos empresários que eles não devem temer os próximos quatro anos de governo Trump.

"É importante evitar certos clichês na avaliação do Donald Trump. Tem-se usado muitos 'ismos' para falar dele: protecionismo, populacionismo e isolacionismo", disse Araújo, para quem essa linguagem tem que ser evitada, por ser fruto da cobertura da imprensa americana "muito comprometida com um determinado lado".

Segundo o diplomata brasileiro, é necessário que se saiba que Trump possui um programa de governo. "Talvez não seja tão elaborado quanto se gostaria, mas existe um programa de saúde, de medidas sociais e também nas áreas que nos concernem mais diretamente. E não tem porque não ser implementado."

Para Araújo, o Brasil deve ficar de olho para aproveitar as oportunidades que podem surgir de eventuais mudanças em acordos com terceiros países feitas por Trump. "Estamos mal posicionados nas cadeias e não sabemos se essas cadeias vão se redesenhar em função de reformular os acordos", disse, explicando que as mudanças podem abrir espaço para a relação do Brasil tanto com os EUA como com outros países.

O diplomata tentou, inclusive, explicar a lógica do presidente eleito em sua retórica agressiva contra os imigrantes.

"Não é uma questão de ser gratuitamente contra o imigrante. É uma questão de sinalizar a recuperação do poder do Estado de controlar suas fronteiras", afirmou.

Segundo ele, há entre os eleitores de Trump a ideia de que a imigração mudou a concepção tradicional americana. "Uma coisa é você ter determinadas comunidades que são minoritárias, outra coisa é você ter hoje 60 milhões de lares americanos onde a primeira língua não é o inglês."


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