Folha de S. Paulo


Falta de entusiasmo das minorias em relação a Hillary sela vitória de Trump

O apoio maciço dos americanos brancos garantiu a vitória do republicano Donald Trump na eleição presidencial desta terça-feira (8).

Jornalistas, analistas e institutos de pesquisa subestimaram a força do chamado "angry white man", o branco que se ressente dos efeitos da globalização e da imigração e que estaria em vias de extinção demográfica por causa do avanço populacional de hispânicos. Esses mesmos analistas apostavam que uma explosão no voto latino levaria a democrata Hillary Clinton à Presidência.

Mas pesquisas de boca de urna apontam que 70% dos eleitores desse pleito eram brancos (são 62% da população), e apenas 12% negros (13% da população), 11% latinos (17%) e 3% asiáticos (5%) –é preciso, porém, encarar essas pesquisas com certa reserva por causa das "zebras" dos últimos meses. Na eleição de 2012, 72% eram brancos, 13% negros, 10% latinos e 3% asiáticos.

Segundo dados preliminares, apenas 55,6% dos possíveis eleitores votaram, diante de 58,6% em 2012. Foi o menor comparecimento desde 2004. Os brancos de baixa escolaridade, eleitorado cativo de Trump, votaram em números acima do esperado, enquanto muitos negros e jovens, que apoiam democratas, desistiram de votar.

Editoria de Arte/Folhapress

Entre os brancos, 58% votaram em Donald Trump –para eles, o único "não político", aquele que consegue "sentir a dor" desses órfãos da globalização. Em 2012, o republicano Mitt Romney teve 59%. Hillary recebeu apenas 31% dos votos de homens brancos, enquanto Obama, apesar do preconceito racial que ainda vigora em muitas partes do país, teve 39%.

A maior força de Trump é justamente com a população rural (62%) e com homens que não concluíram o ensino superior (67%) –habitantes da chamada "América profunda", em Estados eleitoralmente cruciais como Michigan, Ohio e Pensilvânia, todos vencidos pelo republicano. Lá fica o chamado Cinturão da Ferrugem, área afetada pela desindustrialização e pela transferência de empregos para o exterior.

Nesses locais, livre comércio é palavrão, e a promessa de Trump de rasgar acordos, como o Nafta, foi recebida com aplausos.

A desconfiança em relação a Washington é generalizada. A boca de urna mostrou que 65% dos eleitores de Trump acham que o livre comércio está acabando com empregos nos EUA, e 69% estão insatisfeito ou com raiva do governo. "Amo aqueles com menor grau de instrução. São os mais espertos e mais leais", disse Trump, durante um comício em Nevada.

Nem o tão propalado "racha educacional", que levaria os eleitores com maior grau de instrução a migrar para Hillary, se comprovou. Entre os brancos com curso superior, ele também venceu.

Um dos grupos que mais apoiaram Trump –que se divorciou duas vezes e foi acusado de assédio sexual em várias ocasiões- foram os evangélicos brancos, com 81% dos votos em Trump.

FRACASSO DEMOCRATA

A campanha de Hillary já elegeu seus bodes expiatórios –o diretor do FBI, James Comey, que anunciou novas investigações sobre o servidor privado de e-mails de Hillary a poucos dias da eleição, e os candidatos de outros partidos, como o libertário Gary Johnson e a verde Jill Stein, que podem ter tirado votos decisivos em alguns Estados.

Mas o fato é que Hillary fracassou ao tentar reeditar a coalizão bem sucedida que elegeu Barack Obama. O resultado, numa primeira análise, explica-se mais pelo desempenho ruim de Hillary em Estados-chave do que pelas conquistas de Trump.

Obama contou com grande alta no comparecimento e expressiva votação entre jovens, negros e hispânicos, que tradicionalmente votam em democratas. Desta vez, já se esperava que Hillary não tivesse o mesmo apoio entre os negros –Obama teve 93%.

Os jovens tampouco ficaram entusiasmados com Hillary, já que preferiam o rival dela nas primárias, Bernie Sanders. Em 2012, Obama recebeu 60% de apoio dos jovens entre 18 e 29 anos; Hillary, neste ano, teve 54%.

Mas a campanha da democrata esperava compensar esses deficits com votações expressivas entre hispânicos e mulheres. Não conseguiu.

Hillary teve os votos de 54% das mulheres –ante 55% de Obama em 2012. Foi surpreendente, ainda mais considerando que ela poderia ser a primeira mulher presidente dos EUA e por Trump ter dado declarações misóginas.

Os hispânicos também não representaram uma onda –65% votaram em Hillary e 29% em Trump.

Onde Hillary foi bem? Entre o eleitor negro de mais de 65 anos ou de 45 a 64 anos e entre os judeus (71%).

O cientista político John Pitney afirma que a candidata derrotada era vista por uma parcela das minorias como "parte do sistema sistema econômico e social que tem falhado com os mais pobres".

Pitney considera que Hillary tinha imagem de alguém que "já estava no centro da política americana quando eles nasceram".

"Para eles, se você precisa 'reiniciar' o sistema americano, não pode fazer isso usando um software dos anos 90."

Já Trump é visto por 83% de seus eleitores como o candidato que pode fazer mudanças no país.

"Sabíamos que existia uma parcela muito grande da população que estava descontente e com raiva de Washington. Só não sabíamos quão grande era essa população e quão motivada estava para votar. A resposta veio ontem: o suficiente para eleger Trump", diz Alan Stoga, assessor sênior do Kissinger Associates, do ex-secretário de Estado Henry Kissinger.

Para ele, Hillary representa o status quo, enquanto Trump propõe explodir o status quo. "Como no 'brexit', eles votaram por mudança."


Endereço da página:

Links no texto: