Folha de S. Paulo


ANÁLISE

'Rebote branco' e desencanto de minorias com establishment afundaram Hillary

No início da madrugada de terça (8) para quarta, o democrata Van Jones, o único comentarista negro na mesa-redonda eleitoral da CNN, concluiu com uma nota de emoção resignada: "Foi um 'whitelash'" —um "rebote" da população branca que explicaria a eleição de Donald Trump.

O neologismo de Jones, nascido no racialmente polarizado Tennessee e educado na hiperelitista Universidade Yale, ecoa o professor de ciência política D'Andra Orey explicando à reportagem da Folha em 2012 por que o Partido Republicano prevalecia no seu Estado, o Mississippi, apesar de a composição demográfica favorecer, em tese, democratas.

Ali, dizia Orey, onde os negros como ele são 1 de cada 3 cidadãos, a população branca votava sempre maciçamente nos republicanos por ver sua hegemonia ameaçada. Mas, era um voto em grande parte silente, reativo. Eleitores brancos na região, por exemplo, se recusavam a responder à reportagem em quem votariam.

Não é difícil concluir que o cenário extrapolou o Estado mais pobre dos EUA. O misto de desconfiança e ressentimento da população branca de áreas menos urbanas com o desalento da população negra que em grande parte achava que seu voto não mudará o sistema (então, para que votar?) se perpetuou pelo país.

O discurso de Donald Trump, tabulado em palavras simples encadeadas em frases curtas para grande efeito para TV e redes sociais, captou essas duas frustrações vindas das áreas que se sentem alienadas pela elite intelectual do país, ambas calcadas na sensação de perda de voz.

Captou também o descontentamento com o sistema político estabelecido e seus representantes, do qual Hillary Clinton é uma das representantes mais genuínas.

Em uma eleição em que o programa de governo importou menos do que a queda de braço de valores éticos, Trump triunfou por ser a alternativa ao sistema, e em um movimento mais atávico e latente, por prometer a retomada do que muitos julgam ser a América real e profunda, onde os brancos prevalecem e os valores sociais conservadores, mais do que econômicos, separam "homens de bem" de "bad hombres" e da elite liberal costeira.

Nessa equação, o que as pesquisas de intenção de voto não computaram —mas a campanha de Trump, sim— foi a tremenda rejeição a Hillary.

Rejeição pelo fato de ela ser uma mulher agressiva e ambiciosa (algo raramente visto como problema se o candidato é homem); rejeição por representar um sistema falho e a perpetuação de uma dinastia política; rejeição por apoiar um governo cujas políticas de esquerda, por motivos mais e menos nobres, desagradam a uma parte expressiva da população.

E, não menos importante, rejeição vinda de uma raiva cultivada em cima das dúvidas sobre sua honestidade, alimentadas pelo fato de o debate político ser travado majoritariamente com base em informações colhidas em redes sociais, onde são apresentados ao usuário quase que apenas textos que reforcem seu ponto de vista.

A favor de Jones, o comparecimento em massa, sem aumento da proporção de votos das minorias (negros e latinos somaram os mesmos 23% dos votantes que em 2012), indica que houve, sim, um "whitelash", uma reação branca.

Mas, tão importante quanto, um desencanto dos não brancos com Hillary, a candidata do sistema.

Em relação a Obama em 2012, a ex-secretária de Estado, ex-senadora e ex-primeira-dama perdeu cinco pontos entre os negros (93% a 88%), seis entre os latinos (71% a 65%) e sete entre os asiáticos (72% a 65%).

Entre os brancos, dos quais recebeu 37% de apoio, perdeu dois.

Eleições nos EUA - Resultado


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