Folha de S. Paulo


Líder entre mulheres, Hillary Clinton atrai desconfiança de feministas

Em seis dias, Hillary Clinton pode se tornar a primeira presidente mulher dos EUA. Muitas feministas não estão contentes com isso.

A democrata tem ao seu lado ícones da causa. Gloria Steinem, 82, fez campanha por ela na quarta (2).

Nicholas Kamm/AFP
 A woman holds a T-shirt as US President Barack Obama speaks at a rally for Democratic presidential candidate Hillary Clinton at the University of North Carolina in Chapel Hill on November 2, 2016. / AFP PHOTO / NICHOLAS KAMM ORG XMIT: NK1159
Mulher segura camiseta em apoio à Hillary em ato com Barack Obama na Carolina do Norte

Criadora da série "Girls" e heroína dos millennials (a geração da internet), Lena Dunham, 30, descarta "seguir cegamente o útero até a urna mais próxima". Mas reconhece que, "como sobrevivente de um estupro", a questão de gênero pesa. "Ela disse a frase 'direitos das mulheres são direitos humanos', pelo amor de Deus!", já escreveu, evocando fala da então primeira-dama numa conferência da ONU em 1995.

Hillary resistiu a adotar o sobrenome do marido e, nos anos 1990, horrorizou conservadores ao sugerir que preferia sucesso profissional a "ter ficado em casa fazendo biscoitos e tomando chá".

No último debate, não arredou pé da posição pró-aborto, mesmo se o republicano Donald Trump exagerava: "É terrível embarcar no que ela diz, que no nono mês você pode arrancar o bebê do útero".

Por que, então, tantas feministas ainda torcem o nariz a ela? Motivos não faltam, diz à Folha Liza Featherstone, que editou a coletânea de ensaios "False Choices - The Faux Feminism of Hillary Rodham Clinton" (escolhas equivocadas, o falso feminismo de Hillary Rodham Clintosm). Claro, para ela qualquer coisa é melhor do que Trump, o homem que diz estar tudo bem "pegá-las pela xoxota" (e várias mulheres o acusaram de tê-lo feito) e já afirmou que teria um chilique se chegasse em casa e o jantar não estivesse servido.

"Mulheres mais velhas como eu, que tenho 47, lembram de como republicanos atacaram Hillary nos anos 1990. Eles a chamavam de 'vadia lésbica' e 'feminista radical' e diziam que ela estava tentando socializar o sistema de saúde [a então primeira-dama pilotou uma reforma fracassada da área]."

Logo ressalva: "Seria bem legal se tudo isso fosse verdade. Mas os ataques da direita facilitaram fantasias de que ela era uma de nós".

Não é, ao menos não para Amber Frost. A ativista lembra do apoio de Hillary a uma lei que seu marido implantou em 1996, restringindo programas assistenciais a famílias pobres. A reforma atingiu em cheio "mulheres que lutavam para criar seus filhos", diz.

Há outros engasgos. Em 1986, Hillary, na época advogada, virou a única mulher entre 15 diretores da Walmart. A rede é acusada de pagar mal as funcionárias, e ela pouco teria feito para reverter esse quadro.

Até Trump joga pedras. Em maio, ele apontou "uma hipocrisia na Fundação Clinton: no primeiro escalão, de 2010 a 2014, homens ganharam em média US$ 218 mil [por ano], e mulheres, US$ 153 mil" –as cifras provavelmente vêm da declaração de Imposto de Renda da entidade. Entre os 8 a 12 executivos no topo, para cada dólar que eles recebem, elas faturam US$ 0,67, contados os benefícios. O PolitiFact, portal de checagem de dados, relativiza: "A amostra é muito pequena para revelar [se a discriminação é disseminada]".

MULHER BRANCA

A acadêmica Yasmin Nair define o feminismo de Hillary como "aquele típico de uma mulher branca e rica". Sua proximidade com Wall Street, escancarada em discursos vazados pelo WikiLeaks, causa desconfiança.

Nair faz uma comparação com "Caça-Fantasmas", que ganhou remake com protagonistas mulheres. Ela odiou o filme e odeia a perspectiva de exaltar Hillary porque a alternativa é pior. "Podemos e devemos esperar filmes que passem fortes mensagens feministas dentro de um roteiro de fato bom. Podemos e devemos esperar que as políticas mulheres tenham algo a dizer, e não simplesmente dependam de misoginia ou incompetência de seus rivais."

Em média, pesquisas de outubro deram a Hillary, entre o eleitorado feminino, 15 pontos de vantagem sobre Trump. Mas ela tem um problema com as millennials.

Nas prévias democratas, esse grupo aderiu em massa a Bernie Sanders, um branco de 75 anos de Vermont.

A revista "New Republic" publicou em outubro o artigo "Por que as feministas não devem confiar em Hillary", que dizia: "Há [entre nós] 'cheerleaders' por Hillary, o que soa suspeito, como tentativa desesperada de vender um produto desagradável".

À Folha a autora, Kathleen Geier, arrisca um palpite: "As garotas assumem que, se Hillary perder, poderão eleger uma mulher eventualmente. As veteranas temem que não vivam o bastante para isso".


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