Folha de S. Paulo


Políticos nos EUA usam até metade do tempo para conseguir doações

Mark Ralston/AFP
Republican presidential nominee Donald Trump speaks as Democratic presidential nominee Hillary Clinton (R) looks on during the final presidential debate at the Thomas & Mack Center on the campus of the University of Las Vegas in Las Vegas, Nevada on October 19, 2016.
O republicano Donald Trump e a democrata Hillary Clinton no debate em Las Vegas

"Quando você pensa em frutos do mar, pensa no Johnny's Half Shell!", diz o anúncio. Por dez anos, porém, congressistas associaram o restaurante em Washington a uma prática que pode lhes tomar até 30 horas por semana: a arrecadação de fundos.

Antes de mudar de endereço, em maio, o Johnny's ficava a quatro minutos do Capitólio, sede do Legislativo americano. Lá políticos armaram quase mil eventos para convencer seus convidados a deixar mais do que os US$ 2,50 cobrados por cada ostra.

No pleito de 2014, postulantes à Câmara e ao Senado levantaram US$ 1,7 bilhão. Em 2016, a soma era de US$ 375 milhões até agosto, segundo a Comissão Federal Eleitoral.

Mas a quantia tende a disparar nos meses finais, e há a concorrência da campanha presidencial. Até 19 de outubro, doadores haviam direcionado US$ 1,3 bilhão para Hillary Clinton e US$ 795 milhões a Donald Trump, diretamente ou via super-PACS (comitês que ajudam os candidatos).

A fatura é alta. As despesas eleitorais neste ano podem chegar a US$ 6,6 bilhões, estima o Center for Responsive Politics. Ajustada a inflação, seriam US$ 86,5 milhões a mais do que em 2012.

Evolução dos gastos totais com eleições nos EUA - Ajustado pela inflação, em US$ bilhões

Total recebido por candidato - Em US$ milhões

Senadores e deputados ganham US$ 174 mil por ano, o equivalente a R$ 46,5 mil mensais. Até metade do expediente pode ser gasto correndo atrás de doações, seja em festas privadas, seja em escritórios montados pelas legendas para esse fim.

Embora legal, a atividade levanta sobrancelhas, sobretudo diante de uma imagem do Congresso tão desgastada —só 2 de 10 americanos tinham boa impressão das Casas, segundo pesquisa Gallup de setembro.

Para otimizar a arrecadação, cada congressista tem uma cota a atingir —a de caciques como a democrata Nancy Pelosi, líder da minoria na Câmara, avizinha-se de US$ 1 milhão. Há escritórios nos arredores de Washington para políticos passarem horas em cubículos com telefone, café e uma lista de possíveis mecenas eleitorais.

"Você está dizendo que membros do Congresso viraram um tipo de operador de telemarketing?", perguntou uma jornalista do "60 Minutes" ao deputado Rick Nolan.

"Bom, 30 horas por semanas. Isso é provavelmente mais do que os operadores cumprem", respondeu o democrata de Minnesota em programa de abril.

Às vezes dá um show literal: republicanos e democratas usaram um concerto de 2015 da cantora Taylor Swift para atrair doadores, cobrando até US$ 2.500 de entrada.

A pressão cresceu após a Suprema Corte derrubar, em 2010, um antigo veto ao repasse de empresas para super-PACs, que, ao contrário das campanhas, podem receber recursos ilimitados. O presidente Barack Obama lamentou a vitória "de petroleiras, bancos de Wall Street, seguradoras e outros interesses de poderosos".

E a concentração cresceu: US$ 12 de cada US$ 100 arrecadados até agora vieram de cem famílias —em 2012, a média foi de US$ 5,6. Entre os mais generosos, Michael Bloomberg (US$ 20 milhões), que em julho atacou Trump dizendo saber "identificar um vigarista quando vejo um".

"Quando poucos doadores contribuem tanto para eleger um candidato, pode parecer tráfico de influência", disse à Folha Brendan Glavin, do Campaign Finance Institute.

Origem das doações - Em US$ milhões

Valores de doações individuais - Em US$ milhões

PERGUNTAS E RESPOSTAS

Quem pode doar?
A maioria dos indivíduos pode fazer doações, exceto cidadãos estrangeiros, prestadores de serviço ao governo federal e menores de 18 anos (dependendo do Estado)

Há limite para doações para campanhas?
Indivíduos podem doar até US$ 2.700 para comitês de candidatos em cada eleição (o valor é atualizado a cada ciclo eleitoral)

Além de campanhas, que outras doações podem ser feitas?
Cidadãos podem doar ainda a PACs (US$ 5.000 por ano), SuperPacs (sem limite de valor), comitês locais de partidos (US$ 10 mil por ano) e comitês nacionais dos partidos (US$ 33,4 mil por ano)

O que são PACs e SuperPacs?
PAcs são os Political Action Committees (comitês de ação política), organizações políticas independentes dos partidos, que visam a promoção de agendas e temas específicos e arrecadam doações para os candidatos. A maioria dos PACs representa interesses de empresas, sindicatos e grupos ideológicos. SuperPACs são uma categoria desses comitês que tem autorização para aceitar e gastar quantidades ilimitadas de dinheiro em defesa de um candidato, em vez de doar dinheiro à campanha dele

Que tipo de doações são aceitas?
Apesar de doações em dinheiro serem as mais comuns, a Comissão Eleitoral dos EUA considera doação qualquer coisa de valor que seja dada para influenciar uma campanha eleitoral. Isso inclui máquinas e equipamentos, compra de ingressos para eventos de campanha e até a oferta de prestação de alguns serviços


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