Folha de S. Paulo


análise

Por que há tanto dinheiro nas eleições presidenciais americanas?

A resposta intuitiva à questão posta no título acima é de que haveria um "mercado de doações" de campanha americana. Um leilão para quem dá mais para influenciar decisões de governo. Wall Street, indústria da Defesa?

Mas a questão é mais complicada: negar que exista esse mercado não equivale a negar a influência decisiva do poder econômico na política.

Dois cientistas políticos do MIT e um de Harvard invertem a questão em artigo clássico intitulado "Why there is so little money in US Politics?" (Por que há tão pouco dinheiro na política dos EUA).

Os autores argumentam que, considerando as somas colossais envolvidas nas decisões de política pública, deveria existir muito mais dinheiro nas campanhas do que efetivamente se observa.

A própria ideia de que há pouco dinheiro na política americana é contraintuitiva, e a presença de um candidato bilionário —que banca US$ 100 milhões (um quarto de sua campanha) do próprio bolso— reforçaria sua implausibilidade. No entanto, usando dados de milhares de observações, não se encontram evidências de que há relação entre doações e votação nominal de parlamentares.

Mandel Ngan/AFP
Republican presidential nominee Donald Trump gives the thumbs-up after speaking at a campaign event at the Eisenhower Hotel in Gettysburg, Pennsylvania on October 22, 2016. / AFP PHOTO / MANDEL NGAN ORG XMIT: MNN015
O candidato republicano, o bilionário Donald Trump, durante evento de campanha na Pensilvânia

Os pesquisadores concluem que doações seriam mais bem caracterizadas como decisões de consumo de natureza ideológica (crescem com a renda) do que de investimento. Seriam forma de participação política.

As contribuições individuais alcançam cerca de 70% do total, e os tetos das doações tipicamente não são alcançados. E mais: um terço das 500 maiores companhias americanas não faz doação. As doações aumentam quando as eleições se tornam competitivas, o que contradiz também a ideia de um mercado.

Utilizando uma técnica estatística avançada sobre uma base de 100 milhões de registros de doações, desde 1979, relativas a todos os parlamentares eleitos e/ou candidatos no nível estadual e federal, Adam Bonica construiu um mapa ideológico das doações consistente com os argumentos dos autores citados. E aponta para a intensificação da polarização política com dados sobre o Congresso desde 1879: o aumento da distância ideológica entre os dois partidos nos EUA ocorreu porque republicanos se tornaram mais conservadores.

As doações de campanha são reguladas nos EUA desde 1911, sendo vedadas para empresas ou sindicatos. O marco legal é a Feca (Ato de campanhas de eleições federais, de 1971), que estabeleceu limites para os doadores.

NA JUSTIÇA

Decisões judiciais passaram a flexibilizar os tetos de contribuições. A Suprema Corte decidiu que os gastos feitos por alguns Political Action Committees (PACs) constituíam despesas geridas "independentes" dos candidatos (a chamada "coordenação" entre PACs e candidatos era e continua proibida).

A ação dos PACs representaria exercício de liberdade de expressão. As sucessivas flexibilizações culminaram com a decisão, em 2010, de abolir os limites para doações, levando à criação dos chamados Super PACs, que podem receber doações sem teto. Mais preocupante são os chamados doadores 501.c, que não estão submetidos à exigência de identificação.

Nas duas últimas décadas houve mudança no padrão de doações. Contribuições do 1% mais rico do eleitorado saltaram de 9% para 42% do total entre 1980 e 2012. Também preocupante, o comparecimento às urnas dos 10% mais ricos é quase o dobro dos 10% mais pobres.

O padrão de financiamento na campanha presidencial nos EUA não tem paralelo. Embora haja financiamento público, os candidatos o têm rejeitado porque sua aceitação implicaria teto de gastos.

A expectativa de gasto total para a campanha atual (eleição à Presidência e para o Congresso) é de um recorde de US$ 6,6 bilhões.

O contraste entre o caso americano e o brasileiro não poderia ser mais eloquente: o custo das eleições no Brasil é o segundo mais elevado do mundo exatamente porque existe um mercado (oligopolizado) de investimento eleitoral corrupto cuja taxa de retorno tem sido elevadíssima.

A Lava Jato foi fundamental para aumentar o custo e a incerteza do investimento eleitoral corrupto, com impacto no médio e longo prazo sobre o custo das eleições e essa taxa de retorno.

MARCUS ANDRÉ MELO é professor titular de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco. É coautor de "Brazil in Transition" (Princeton University Press)


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