Folha de S. Paulo


OPINIÃO

Nas primeiras eleições dos EUA, candidatos não faziam campanha

Mike Stewart/Associated Press
Monte Rushmore, nos EUA, com os bustos de George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln e Theodore Roosevelt
Monte Rushmore, nos EUA, com os bustos de George Washington, Thomas Jefferson, Abraham Lincoln e Theodore Roosevelt

A primeira eleição presidencial americana, na passagem de 1788 a 1789, foi barbada: George Washington foi eleito por unanimidade. Na verdade, cada membro do Colégio Eleitoral podia votar em dois nomes, e todos deram um de seus votos ao herói da Guerra da Independência.

Em seu primeiro mandato, Washington cuidou da reestruturação fiscal do país. O homem forte do governo era o secretário do Tesouro, Alexander Hamilton.

Por estranho que pareça, a oposição estava articulada em torno do secretário de Estado, Thomas Jefferson, cujo principal parceiro político era James Madison.

O bipartidarismo já aparecia nesses primeiros tempos. Hamilton liderava o partido chamado de "Federalista"; Jefferson e Madison organizavam o partido "Republicano". Federalistas eram vistos pelos republicanos como anglófilos, viúvas da monarquia, defensores da elite financeira. Republicanos eram vistos pelos federalistas como demagogos, populistas e economicamente reacionários.

Na segunda eleição, também não houve chance: deu Washington na cabeça de novo. O segundo mandato foi marcado pela política externa, com o país trilhando um caminho diplomático estreito no contexto da guerra entre a França revolucionária e a Grã-Bretanha.

Jefferson e o vice, John Adams, eram os principais candidatos na terceira eleição, mas não havia "campanha" como hoje. Eles não faziam comícios, não davam entrevistas, não apresentavam planos de governo, não apertavam mãos nem beijavam criancinhas. Recolhiam-se às suas fazendas e não falavam com ninguém, pretendendo passar a ideia de que só assumiriam o cargo se fossem chamados.

Adams foi eleito, tendo Jefferson como vice (a eleição não era feita por chapas –os cargos eram ocupados pelos dois mais votados). Foi o primeiro presidente a morar na Casa Branca, depois que a capital do país se mudou de Nova York para a recém-fundada Washington.

A quarta eleição, em 1800, foi a única vez na história dos EUA em que presidente e vice concorreram entre si. A imprensa pegava pesado: um jornalista chamou Adams de "pedante repulsivo, um grande hipócrita e opressor sem princípios"; outro o tachou de "cego, careca, aleijado, banguela e briguento". Jefferson era tratado pelos jornais federalistas de "escravocrata", "jacobino", "infinitamente ambicioso", mas tornou-se o terceiro presidente e cumpriu dois mandatos.

Depois do governo Jefferson e da morte de Hamilton, o Partido Federalista acabou desaparecendo, enquanto o Republicano deu origem ao atual... Partido Democrata. O atual Partido Republicano foi fundado nos anos 1850, sob a liderança de Abraham Lincoln.

Poucas pessoas gozam de tanto respeito nos EUA quanto Washington, Hamilton, Jefferson, Madison e Adams, que estão entre os chamados "pais fundadores" da pátria. Apesar das divergências entre si, são vistos como pessoas honestas e dedicadas ao bem-estar da nação. Esperemos que o vencedor da próxima eleição esteja à altura deles.

MARCEL NOVAES é professor da Universidade Federal de Uberlândia e autor de "O Grande Experimento" (Record), sobre a Revolução Americana


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