Folha de S. Paulo


Projeto de lei australiano de veto a refugiados em barcos recebe críticas

O primeiro-ministro da Austrália, Malcolm Turnbull, enfrentou críticas crescentes nesta segunda-feira (31) por conta de uma lei que propôs com o objetivo de impedir que requerentes de asilo que tentem chegar ao país de barco nunca mais possam colocar os pés na Austrália.

A lei, que, segundo o mandatário, deve ser apresentada ao Parlamento na semana que vem, quando este retomar suas sessões, bloquearia imigrantes e refugiados que foram enviados para centros de processamento fora da Austrália, na Ilha de Manus (em Papua-Nova Guiné) e em Nauru, país insular no Pacífico. A proibição perpétua de entrada na Austrália seria aplicável a adultos que tentam chegar ao país de barco, independentemente de onde se instalam depois e se no final recebem cidadania.

Paul Miller-30.out.2016/Reuters
Australian Prime Minister Malcolm Turnbull (R) speaks as he stands with Immigration Minister Peter Dutton during a media conference in Sydney, Australia, October 30, 2016. AAP/Paul Miller/via REUTERS ATTENTION EDITORS - THIS IMAGE WAS PROVIDED BY A THIRD PARTY. EDITORIAL USE ONLY. NO RESALES. NO ARCHIVE. AUSTRALIA OUT. NEW ZEALAND OUT. ORG XMIT: DBG500
O premiê Malcolm Turnbull (dir.) e o ministro de Imigração, Peter Dutton, anunciam projeto de lei

"É uma mensagem forte e crucial a ser enviada aos traficantes de seres humanos", disse Turnbull em uma entrevista coletiva em Sydney no domingo (30). "Eles têm de saber que as portas da Austrália estão fechadas para aqueles que tentam chegar aqui de barco com um traficante. Estão fechadas."

Um rascunho do projeto de lei ainda não foi divulgado, e precisa passar no Senado, onde o governo não tem maioria, para que entre em vigor. Mas já atraiu fortes críticas de defensores dos refugiados e de alguns legisladores da oposição.

"Os refugiados se tornam líderes mundiais, altos executivos de grandes empresas, médicos, cientistas, advogados", disse Madeline Gleeson, advogada no Centro Kaldor de Direito Internacional dos Refugiados na Universidade de New South Wales. "Essas pessoas nunca poderão vir aqui. Nem como turista, nem para participar de um congresso médico."

O governo precisa do apoio do Partido Trabalhista, da oposição, ou de legisladores independentes no Senado para aprovar o projeto. O governo tem maioria na Câmara. Legisladores independentes, incluindo a senadora Pauline Hanson, líder do partido de extrema direita Uma Nação, ganhou maior apoio dos eleitores em uma eleição nacional em julho. Hanson recebeu de forma favorável as alterações propostas à Lei de Migração.

Mas o líder dos Verdes Australianos, de esquerda, o senador Richard Di Natale, descreveu a lei proposta como "bárbara". Ele disse que vários refugiados na Ilha de Manus e em Nauru já tinham integrantes da família na Austrália, a quem eles nunca mais veriam se a legislação for aprovada. Ele acusou o governo de favorecer uma dura agenda de direita e disse que iria pedir aos legisladores independentes para bloquear a proposta.

"Eles vão ser impedidos de ver seus pais e de ver irmãos e irmãs, de acordo com essa política", disse Di Natale. "É bárbaro. É cruel. É vergonhoso. É uma política cínica."

O líder do opositor Partido Trabalhista, Bill Shorten, não descartou imediatamente o apoio à legislação, mas disse em um comunicado que seu partido teria de examiná-la depois que for divulgada. "Acho ridículo para mim que um refugiado genuíno, que se instala nos Estados Unidos ou no Canadá e se torna um cidadão norte-americano ou canadense seja proibido de visitar a Austrália como turista, empresário ou empresária, 40 anos no futuro", disse ele. Uma legisladora trabalhista, a senadora Lisa Singh, descreveu as alterações propostas como cruéis.

Hugh de Kretser, advogado do Centro Legal de Direitos Humanos em Melbourne, disse que as mudanças significariam uma proibição vitalícia de visitar a Austrália para qualquer imigrante que tenha sido enviado para a Ilha de Manus ou Nauru. Ele acrescentou que, de acordo com essa legislação, um refugiado que foi reassentado em um terceiro país nunca poderia ir à Austrália para visitar a família, ou mesmo como turista, apesar de receber a cidadania em outro lugar.

As mudanças afetariam todos os adultos que chegaram aos centros de processamento fora da Austrália depois de 19 de julho de 2013. A data foi escolhida porque foi quando o ex-primeiro-ministro Kevin Rudd anunciou que "a partir de hoje, quem estiver pedindo asilo e chegar aqui de barco sem um visto nunca será assentado na Austrália", segundo disse Turnbull no domingo.

Peter Dutton, ministro da imigração, disse que qualquer pessoa que era menor de 18 anos quando foi enviada para Manus ou Nauru não seria afetada pela lei.

Dutton disse que o governo estava trabalhando para encontrar outros países que poderiam aceitar as pessoas que vivem na Ilha de Manus e em Nauru. De Kretser afirmou que cerca de 1.200 homens, mulheres e crianças estavam sendo mantidos em Nauru, e 900 homens, na Ilha de Manus.

A Nova Zelândia se ofereceu para acolher refugiados, mas o governo australiano recusou a oferta, dizendo que as brandas leis de imigração entre os países permitiriam aos refugiados, no final, estabelecer-se na Austrália.

O governo australiano tem uma política dura de devolver barcos carregados de pessoas em busca de asilo de volta ao mar, rebocando-os a águas internacionais. Turnbull disse que, em 800 dias, nenhum requerente de asilo havia conseguido chegar por barco e que não ocorreram mortes no mar.


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