Folha de S. Paulo


Farc aceitam mudanças no acordo, mas sem contato direto com Uribe

"Consideramos que o único interlocutor que temos com o Estado colombiano é a equipe de negociadores do governo." Assim respondeu Carlos Antonio Lozada, membro do Secretariado das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), sobre a proposta do ex-presidente Álvaro Uribe de conversar diretamente e ao vivo com a guerrilha.

Principal impulsor do "não", que saiu vencedor no plebiscito do último dia 2 para a aprovação do acordo de paz, Uribe disse considerar legítimo que ele mesmo participe da discussão do novo documento, que já começou a ser elaborado no último sábado (22), em Havana.

O presidente e prêmio Nobel da Paz Juan Manuel Santos diz que espera ter um novo texto para o acordo, incluindo as sugestões do "grupo do não", ainda em dezembro deste ano.

A participação direta de Uribe foi por ora descartada por ambos os lados, mas suas propostas serão consideradas para o novo documento.

Em reunião realizada dias depois do resultado, Santos recebeu Uribe, que lhe entregou um relatório de reparos ao texto redigido por ele e seu partido, o Centro Democrático.

No sábado, essa proposta foi lida pela equipe de negociadores do governo aos comandantes guerrilheiros, em Havana.

"Estamos estudando o documento que nos trouxeram. Desde que conhecemos o resultado das urnas, nos mostramos dispostos a considerar algumas alterações, porque de fato queremos trabalhar pela paz e queremos participar da política colombiana sem as armas", disse Lozada, em entrevista à Folha, por telefone.

O secretário, porém, elencou entre os itens propostos pelo "grupo do não" mais fáceis de serem negociados pontos considerados menos cruciais.

REFORMA RURAL

Um deles é o da reforma rural —o uribismo quer mais meios para proteger proprietários e exige que a guerrilha entregue terras extorquidas, hoje em mãos de testas-de-ferro.

Outro ponto é o de reparação às vítimas, onde os defensores do "não" exigem conhecer a quantia de dinheiro acumulada pelas Farc com suas atividades criminosas ao longo dos anos.

Para eles, esse dinheiro deveria ser usado na reparação às vítimas e no processo do pós-conflito, em que será necessário fazer investimentos na infraestrutura destruída e em desminar o território, entre outras coisas.

"Alguns desses temas precisam apenas ser melhor detalhados, é praticamente o caso de só incluir emendas ao que já está redigido, não precisamos recomeçar o texto do zero", minimiza Lozada.

Quanto aos pontos mais polêmicos, porém, o líder guerrilheiro foi mais evasivo. "Estamos em fase de estudo, abertos a fazer mudanças para chegar à paz, mas é preciso reforçar que aqueles que fazem propostas que sabem que consideramos inaceitáveis não querem a paz, mas sim acabar com a possibilidade de um acordo."

Entre as alterações mais importantes propostas pelos apoiadores do "não" estão pontos que as Farc já avisaram serem essenciais para que deixem as armas.

POLÍTICA

O principal deles é o da eligibilidade política. O texto do acordo rejeitado diz que mesmo guerrilheiros que estiverem cumprindo penas poderiam concorrer a cargos no Congresso. Também garantia dez cadeiras no Parlamento para a guerrilha por duas legislaturas.

O uribismo, durante a campanha, dizia que qualquer condenado por delitos de lesa humanidade (homicídio, sequestro, tortura e outros) não deveria poder concorrer nunca mais a nenhum cargo. Agora, os uribistas recuaram um passo e admitem que esses condenados, uma vez tendo cumpridas suas penas, podem disputar eleições.

Outro dos pontos considerados essenciais pelos uribistas é o da Justiça especial que o documento pretendia estabelecer. Uribe é contra tribunais especiais por julgá-los "paralelos às instituições colombianas", como disse em entrevista à Folha, em setembro.

No documento que entregou a Santos, Uribe pede que esses tribunais estejam sujeitos à Corte Suprema e que seus juízes sejam por ela escolhidos, e não por comissões internacionais e da sociedade civil, como previa o acordo.

Uribe também rejeita o convite que o governo desejava fazer a magistrados estrangeiros para que participassem do processo e quer isentar militares de serem julgados nas mesmas cortes que a guerrilha.

Ainda entre os temas espinhosos está o que diz respeito à prisão. O bloco do "não" exige que exista algum tipo de restrição física, algo que o documento não previa. As penas seriam apenas reparatórias, em forma de serviços à comunidade.

O uribismo pede prisões alternativas, como colônias penais agrícolas. Mas não abrem mão de que guerrilheiros considerados culpados tenham a liberdade restringida durante o tempo da pena.

PRÓXIMAS SEMANAS

Será principalmente sobre esses três pontos (participação política, Justiça e cumprimento de penas) que Farc e negociadores debaterão nas próximas semanas.

"É muito cedo ainda para concluir algo a esse respeito. Vamos estudar como harmonizar as preocupações de quem votou 'não' com as nossas. É preciso conversar mais", disse o guerrilheiro.

Lozada contou que, enquanto os líderes conversam em Havana, entre os guerrilheiros há muita "vontade de paz" e que todos estão "estudando, preparando-se para entrar na política depois de deixarem as armas".

Sobre o temor expressado por alguns setores da sociedade de que, se um novo acordo demorar muito a surgir, os guerrilheiros voltarão a traficar drogas e extorquir, pois não possuem outra fonte de renda, Lozada disse que isso não ocorrerá.

"Estamos nos concentrando em zonas de transição. Ali esperaremos o novo acordo. Temos um compromisso com o governo, enquanto perdurar o cessar-fogo (a princípio previsto para terminar em dezembro), que de nossos acampamentos daremos coordenadas de nossos movimentos ao Exército, para que saibam onde estamos e para que não haja choque de forças."


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