Folha de S. Paulo


Movimento Acampamento pela Paz ocupa há 21 dias praça em Bogotá

Assista

Na noite de 5 de outubro, Juli Bohorquez não pôde voltar para casa. Sofria da "plebituza" que acometeu os colombianos favoráveis ao acordo de paz com as Farc, derrotado no plebiscito do dia 2.

"'Tuza' é como uma dor no coração", explica. As vítimas do sentimento, como ela, marcharam em silêncio absoluto pelo centro de Bogotá naquele 5 de outubro até a praça Bolívar, o coração político da capital colombiana, em defesa do fim do conflito com as guerrilhas e o governo.

Luisa González/ColPrensa/Xinhua
Acampamento pela Paz, instalado no último dia 5 na praça Bolívar, a principal do centro de Bogotá
Acampamento pela Paz, instalado no último dia 5 na praça Bolívar, a principal do centro de Bogotá

"Quando vimos toda essa gente junta, não conseguimos ir embora e dormir em casa como se não tivesse acontecido nada", disse ela à reportagem na tarde de quarta (19), seu 14º dia seguido em praça pública. Ali, estão diante da catedral bogotana, do Congresso Nacional, do Palácio da Justiça e da prefeitura e a duas quadras da residência oficial do presidente Juan Manuel Santos.

Juli está entre os sete primeiros manifestantes que não deixaram a praça depois de a multidão se dissipar. No dia seguinte, foram 14, dormindo em sete barracas. Agora, são 80 tendas, que abrigam cerca de 200 pessoas —nem todas dormem lá todos os dias. Pretendem sair apenas quando houver resolução para as negociações de paz.

"Nenhum dos que dormimos na primeira noite é afetado pela guerra de maneira mais próxima. Mas aí é que está o simbolismo deste como um território de paz. Não é porque não estejam afetando diretamente você ou os seus filhos. São os filhos de todos", diz Juli.

SEM POLÍTICOS

Aos pioneiros, a maioria jovens estudantes, somaram-se movimentos sociais, camponeses, vítimas do conflito com as guerrilhas e apoiadores diversos do processo de paz.

Como um jovem cantor que viajou por um dia de ônibus desde a litorânea Buenaventura, perto de Cali, para engrossar o grupo de acampados quando os viu pela televisão. Quando a reportagem esteve no local, ele era o responsável por recolher documentos de visitantes na entrada do acampamento, circundado por grades: nenhum visitante entra ali sem ser identificado.

E, se for político de carteirinha, aí é que não entra mesmo. Congressistas passam diariamente pelas barracas, e os que eventualmente param ali para oferecer algo são proibidos de entrar. Os acampados dizem não querer se associar a nenhum partido nem colaborar com a polarização do país. No plebiscito, a diferença entre o "não" e o "sim" foi de menos de 60 mil votos.

"O que ganhou foi a indiferença. Coloco aqui meu frio, meu medo, meu coração e meu emprego porque não quero ser indiferente", afirma Juli.

'PRIMAVERA COLOMBIANA'

O movimento Acampamento pela Paz­ foi chamado pela revista "Semana", a principal do país, de "primavera colombiana". Para os que estão ali, é "a pequena Colômbia", pela mistura de origens e de diferentes relações com o conflito.

Na entrada do acampamento, uma placa avisa que não se aceitam doações em dinheiro. Os mantimentos, organizados pelo comitê de logística, ficam em uma espaçosa tenda junto às primeiras barracas ­â€”cada uma identificada com uma placa com o nome de uma região da Colômbia onde houve massacres.

Chocó, povoado no noroeste do país onde Isaac Valencia nasceu, nomeia o abrigo onde o agricultor refugiado tem dormido na praça Bolívar desde 14 de outubro. Aos 33 anos, ele fugiu do local para o sul de Bogotá em 2002, depois de ser "despojado" de suas terras. Cinco anos antes, seus dois irmãos foram sequestrados pelo exército e entregues às Farc, que os fuzilaram.

Valencia cultivava plátanos (a banana verde colombiana) quando viu que poderia aumentar seus ganhos em 80% fornecendo folha de coca para o narcotráfico. "Qualquer plantação leva seis, oito meses para dar frutos. A coca leva seis meses para crescer e você pode colher a cada 45 dias."

Conta que, sentindo-se culpado pelos efeitos da violência do narcotráfico, resolveu denunciar a própria plantação ao governo. Os paramilitares chegaram antes e atearam fogo em sua casa.

"A paz não se assina, se constrói. Estou acampado aqui investindo nessa construção", diz o agricultor. "Votei pelo sim no plebiscito, redondamente. Nossa única opção para acabar com a guerra é negociar com os grupos armados. Tentamos pela bala, e não conseguimos. Então deixem para o diálogo."

A jornalista viajou a convite do Ministério da Cultura colombiano


Endereço da página:

Links no texto: