A Espanha celebra nesta quinta-feira (20 de outubro) cinco anos desde que o movimento separatista basco ETA renunciou à luta armada. Essa organização havia desestabilizado o país por quatro décadas.
Hoje a Espanha enfrenta, porém, outra ameaça: o extremismo da facção Estado Islâmico (EI) e o risco de atentados como aquele de 11 de março de 2004, que deixou 191 mortos.
GARA.NET-20.out.2011/AFP Photo | ||
Militantes do ETA anunciam fim "definitivo" da luta armada |
Com a vantagem de que, agora, suas forças de segurança estão mais bem preparadas e coordenadas. O histórico pode ser um diferencial relevante, em comparação com Estados europeus como a França e a Bélgica, alvos de ataques recentes.
"Tudo o que aprendemos com dor na luta contra o ETA serve hoje contra o jihadismo", diz à Folha Alfredo Pérez Rubalcaba, ex-ministro do Interior (2006 – 2011), ex-líder socialista e uma das figuras responsáveis por esvaziar a organização basca.
Ele aponta que as autoridades locais têm frequentemente detido extremistas, como o brasileiro impedido em 2014 de viajar à Síria e unir-se ao EI.
O sucesso policial, no entanto, significa não apenas quão afiada está sua máquina —mas também o grau da constante ameaça ao país.
A Espanha aparece em diversas das propagandas da organização terrorista, que se refere ao país pelo nome de Al-Andalus, pelo qual a península Ibérica era conhecida na Idade Média durante um califado muçulmano.
Dominique Faget - 3.fev.2013/AFP Photo | ||
Alfredo Perez Rubalcaba, ex-líder socialista, participa de coletiva de imprensa em Madri |
ISOLAMENTO
Rubalcaba afirma que a derrota do ETA em 2011 foi o resultado da combinação de uma série de fatores. O principal eixo foi o policial, mas os esforços envolveram também discussões sociais e uma aliança internacional.
As forças de segurança foram incrementadas e coordenadas. A liderança do movimento radical basco foi perseguida, detida e isolada.
Socialmente, teve especial peso que a comunidade basca condenasse esse movimento separatista. "Foi importante que o País Basco dissesse que o ETA não lutava por sua libertação", diz.
Esse tipo de esforço tem que ser repetido em relação ao EI. Rubalcaba faz a ressalva de que a comunidade muçulmana é variada e não se expressa em bloco. "Mas é importante que eles condenem o radicalismo, que haja mais crítica."
Do ponto de vista internacional, o ex-ministro ressalta a importância das alianças travadas entre Espanha e França para combater o ETA.
Assim, ele diz que é importante que as agências de inteligência cooperem de maneira intensa. Critica-se hoje justamente a falta de coordenação na França e na Bélgica, o que pode ter contribuído à sua vulnerabilidade aos ataques recentes.
Ander Gillenea - 11.out.2016/AFP Photo | ||
Polícia da Espanha detém suspeito de ligação com o EI em San Sebastian, na semana passada |
ARTICULAÇÃO
As décadas de combate ao terrorismo se condensaram, na Espanha, no pacto antiterrorista assinado em 2000 e revisto depois dos atentados de 2004 em Madri, que "nos levaram a reflexões profundas", segundo Rubalcaba.
O país criou centros de coordenação para o combate ao terrorismo e intensificou o compartilhamento de inteligência. Hoje, diz, o processo ocorre naturalmente, e sob uma revisão constante.
Mas nem todas as lições aprendidas com o ETA podem ser transpostas ao EI. Por exemplo, a maneira com que a polícia trabalha, diz o ex-ministro.
"Era mais fácil combater o ETA, de certa maneira, pois seus militantes não queriam morrer. Mas jihadistas morrem com gosto, e são difíceis de enfrentar policialmente."
Mas, uma vez detidos, os extremistas podem ser tratados a partir de uma mesma estratégia. As centenas de detidos do ETA foram dispersados entre o país, impedindo que se articulassem.
Algo semelhante pode ser feito com o EI, "para que não aproveitem o cativeiro para cultivar o fanatismo", afirma Rubalcaba.
"O ETA sempre sustentou a teoria do empate infinito, de que o confronto teria que ser resolvido pelo diálogo. Eles foram enfraquecidos, porém, e não tiveram outra saída a não ser desistir."