Folha de S. Paulo


Repórter trabalhou por um dia na campanha de Trump; leia o relato

Anna Virginia Balloussier/Folhapress
Escritório com voluntários da campanha do candidato à Presidência dos EUA Donald Trump, em Nova York
Escritório com voluntários da campanha do republicano Donald Trump, em Nova York

Que tal ajudar Donald Trump a realizar o sonho da Casa Branca própria?

O primeiro passo é assinar um contrato no qual você se compromete a não "humilhar ou menosprezar" o "sr. Trump, ou qualquer companhia do sr. Trump, um familiar seu ou uma companhia de um membro da família".

O convite veio num e-mail disparado a simpatizantes do presidenciável republicano, intitulado "o sr. Trump quer você no time dele!".

As instruções: "Diga à segurança a senha especial, 'Trem Trump'. Traga seu laptop. Comes e bebes serão servidos. O dress code é casual".

São pré-requisitos para ser voluntário da campanha do empresário. Para não dizer que desta água não beberei, sirvo-me de uma garrafinha de 500 ml da marca Trump, cortesia da casa. Estou no subsolo da Trump Tower, na Quinta Avenida de Manhattan, pronta para a missão.

No prédio, o republicano mantém o QG de sua campanha. Lá apaga incêndios como o de sexta (7): a divulgação de vídeo de 11 anos atrás no qual ele diz ser possível "fazer qualquer coisa" a garotas, inclusive "pegá-las pela xoxota", adição a uma lista de comentários misóginos que já afetou de Kim Kardashian ("traseiro gordo") a Rosie O'Donnell ("porca").

Na cobertura tríplex do edifício, decorada em mármore, ouro e teto com pintura clássica, em design inspirado no rei francês Luís 14, ele mora com a terceira mulher, a ex-modelo Melania, com quem casou em 2005 (ano da gravação polêmica), e o caçula de cinco filhos, Barron, 10.

Espero numa fila para ajudar sua campanha numa tarde de setembro, sem me identificar como repórter. Estrangeira que não vota no país, meu interesse é jornalístico. Uso nomes falsos para aqueles com quem falei, preservando suas identidades.

A ideia é entender o eleitorado do homem que, contra todas as expectativas, começou com menos de 1% de chance nas prévias republicanas, derrotou 16 pré-candidatos e agora disputa a Presidência dos EUA com a democrata Hillary Clinton.

A base dele é tida como mais energizada do que a da rival: lota seus comícios e seria mais disposta a sair de casa para votar num país onde ir às urnas é facultativo.

MÃOS À OBRA

A sala é pequena e cerca de 20 pessoas esperam do lado de fora pelo revezamento de voluntários. Na parede, chamam a atenção réplicas de papelão do candidato e do ex-presidente Ronald Reagan.

Trump, ex-apresentador do reality "O Aprendiz", vende-se como outro forasteiro em Washington, como foi o ex-ator de Hollywood. Os dois compartilham o slogan "vamos fazer a América grandiosa de novo". Ao lado deles, um boneco do astro dos faroestes John Wayne.

Para muitos seguidores do candidato, os EUA revivem um novo Velho Oeste, e o perigo da vez são as mudanças demográficas que ameaçam "a maioria silenciosa" (citada num dos cartazes na parede): brancos.

Em projeções do Centro de Pesquisas Pew, até 2055 não haverá uma maioria étnica ou racial no país. Em 1965, brancos eram mais de 80%; hoje, caíram para 63%.

A assistente social Jessica, 52, repete pensamento que ecoa na militância de Trump: a "mídia liberal ama Hillary".

"E ela diz que somos deploráveis", afirma, lembrando que dias antes a democrata atribuíra o adjetivo à metade do eleitorado de Trump.

"Só estamos tentando proteger nosso modo de vida. Os negros são orgulhosos de suas origens, por que nós não podemos ser também?"

No trabalho, conta, ela se espanta com tantas latinas grávidas ("imigrantes ilegais") atrás de socorro. Ela gostaria de ajudar, mas... "Isso é tirar recursos dos americanos legítimos".

A certa altura, um senhor de boné vermelho, que lembra o velhinho de "Up - Altas Aventuras", desconfia do meu sotaque. Acha que "tenho um quê de russa".

Digo que sou brasileira, ele sorri, e penso em perguntar sobre a admiração de Trump por Vladimir Putin —considera-o um líder forte.

Não dá tempo: alguém me indica um lugar e explica minha missão: ligar para eleitores pré-selecionados, já simpáticos ao candidato, e perguntar se eles, também, gostariam de se voluntariar.

BRINDES

Sua campanha dispara vários e-mails por dia, a maioria para incentivar pequenas doações. Em setembro, ele divulgou ter juntado cerca de US$ 100 milhões com contribuições abaixo de U$ 200, apoio popular sem precedentes para um republicano.

Em troca, o doador pode ser sorteado para pequenos mimos, como viajar no jato do candidato ou jantar com sua filha Ivanka Trump.

É preciso seguir roteiro ao fazer ligações, com frases como "apenas acho que as consequências de Hillary na Casa Branca serão um desastre para o futuro da nação".

A faixa etária é elevada, mas há jovens. Não são poucos os asiáticos e latinos.

A política migratória do "sr. Trump" defende, diz uma senhora hispânica na fila, não é xenófoba. "Tem que vir de forma legal, ou vira bagunça. Imagina o Brasil cheio de venezuelanos?"

No meio de tanta política, há espaço para o amor —uma loura na casa dos 50 anos conta que outro voluntário se declarou para ela.

O trabalho em si, os telefonemas, não deu tão certo assim. Tive problemas técnicos e, quando enfim consegui ligar, caiu na caixa postal.

Um rapaz ao meu lado, já craque no ofício, narrava as respostas mais bizarras que recebeu. "Teve um cara que perguntou se ele poderia tocar no cabelo do Trump. Eu ri, mas ele falava sério."


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