Folha de S. Paulo


Ex-presidente Álvaro Uribe torna-se crucial para a paz na Colômbia

A ausência de Álvaro Uribe e de seu partido (Centro Democrático) no encontro convocado para esta segunda (3) pelo presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, na qual tencionava reunir toda a oposição para buscar uma saída conjunta ao impasse criado pela vitória do "não" no plebiscito da paz (por 50,2% contra 49,8%), foi interpretada por analistas como um sinal de que o uribismo dará as cartas num eventual novo processo de paz.

Com mais de 50% de popularidade e vitorioso em seu discurso de que o acordo faria demasiadas concessões à guerrilha, Uribe declarou que "ainda é cedo" para se encontrar com Santos. Disse, porém, que também deseja a paz e que proporá ao governo as correções que crê necessárias num novo texto.

Enquanto esperava Uribe, um Santos agora mais frágil, derrotado nas urnas e com cerca de 20% de popularidade, reuniu-se com opositores para pedir apoio. Acudiram a esquerda, o partido Verde e agrupações menores.

O presidente enviou membros da equipe de paz para viajar a Cuba para tentar convencer as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) a manter o cessar-fogo enquanto uma nova alternativa não surge.

John Vizcaino/Reuters
O ex-presidente colombiano Alvaro Uribe, faz campanha pelo 'não' ao acordo de paz com as Farc
O ex-presidente colombiano Alvaro Uribe, faz campanha pelo 'não' ao acordo de paz com as Farc

"Uribe sai com capital político renovado. É como se os votos do "não" fossem para ele, e os do "sim" para um ideal abstrato que não conseguiu convencer todo o país", disse à Folha o analista político Juan Tokatlian, da Universidade Torcuato Di Tella.

Uribe deixou claro que quer contribuir para a paz, mas seus pontos até aqui vêm sendo incompatíveis com as demandas das Farc.

Em reunião com seu grupo político nesta segunda (3), ele discutiu os itens que o Centro Democrático apresentará a Santos como essenciais para serem corrigidos num novo acordo. O primeiro é impedir que sejam elegíveis os que tenham cometido crimes de lesa-humanidade, como garantia o acordo rejeitado.

"Não há acordo de paz em que líderes de uma facção criminosa possam ser eleitos, nem mesmo depois de cumprir pena", dissera Uribe à Folha na semana passada.

Pelo acordo também não haveria pena de prisão, mas "liberdade restringida". Os uribistas exigirão prisão, se não em cárcere convencional, ao menos em colônias penais.

Outro ponto importante, defende o senador Iván Duque, porta-voz do "não" e presidenciável uribista para 2018, é que "as Farc precisam deixar mais claro quanto dinheiro e quantas terras possuem, e como vão devolver isso à sociedade". "Afinal, foram obtidos através da extorsão e do narcotráfico", disse Duque à Folha.

No fim da noite desta segunda, o governo designou três representantes para negociar os termos de um novo acordo com o partido de Uribe. Serão eles o chefe da equipe de negociadores, Humberto De La Calle, cuja renúncia ao cargo foi recusada por Santos; a chanceler María Ángela Holguín; e o ministro da Defesa, Luis Carlos Villegas.

Já do lado uribista, os designados são o ex-candidato a presidente Óscar Iván Zuluaga, Carlos Holmes Trujillo e o senador Duque.

O fracasso do "sim" foi por margem pequena (54 mil votos), mas ainda assim é uma "derrota do sistema representativo colombiano", analisa Tokatlian. Afinal, só 37,4% do eleitorado foi às urnas (o voto não é obrigatório). Ele lembra que 177 mil pessoas votaram nulo. "Se, numa eleição facultativa, um cidadão sai de casa para anular o voto, é porque tem raiva do sistema."

CRESCIMENTO DO 'NÃO'

Nas últimas semanas, quando a tendência de crescimento do "não" se fazia notar nas pesquisas, os questionamentos ao plebiscito se intensificaram. "Não achávamos necessário, afinal Santos já tinha o respaldo de ter sido eleito. Mas o presidente insistiu muito", disse à Folha o negociador Frank Pearl.

"Fazer o plebiscito era uma obsessão de Santos, mas se mostrou primeiro um grande risco, e depois um imenso erro. E ficou vergonhoso convidar todos aqueles chefes de Estado para uma celebração antes da certeza da vitória", afirmou Tokatlian.


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