Folha de S. Paulo


Plebiscito não é sobre meu governo e, sim, sobre futuro melhor, diz Santos

O presidente colombiano, Juan Manuel Santos, disse à Folha estar confiante na vitória do "sim" no plebiscito deste domingo (2), em que os colombianos decidem se aprovam ou não o histórico acordo fechado entre seu governo e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

Santos disse ainda estar seguro de que a população não estará avaliando seu governo na votação, e sim pensando na paz de modo mais amplo.

Guillermo Legaria-05.set.2016/AFP Photo
Colombia's President Juan Manuel Santos gestures during an interview with AFP at Casa de Narino presidential palace in Bogota, Colombia, on September 5, 2016. / AFP PHOTO / GUILLERMO LEGARIA ORG XMIT: GLS010
O presidente Juan Manuel Santos em entrevista no palácio presidencial

Com relação ao Brasil, espera que esteja presente no chamado pós-conflito, especialmente no que diz respeito à transmissão de experiência necessária às reformas no campo. Também declarou ser "respeitoso" ao atual processo de transição no Brasil.

Leia entrevista realizada por e-mail.

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Folha - Em entrevista à Folha, o negociador Frank Pearl disse que espera a vitória do "sim" no domingo (2), mas que seria bom que essa vitória não fosse tão arrasadora, por exemplo, um 90% contra 10%, porque isso poderia sinalizar que se estaria dando um "cheque em branco" para as Farc, e que na Colômbia que sairá deste acordo ninguém deve ter um cheque em branco. O sr. está de acordo? Prefere um resultado em que o "sim" ganhe de maneira sólida e convincente, mas não devastadora, com uma margem demasiado grande?
Juan Manuel Santos - Os colombianos têm claro que aqui não estão votando pelas Farc ou por Juan Manuel Santos, mas sim pela possibilidade de um futuro melhor para a Colômbia. A grande maioria dos pontos do acordo são para todos os colombianos, mas especialmente para os que mais sofreram as consequências da guerra. Por isso, a vitória não será um cheque em branco para ninguém, mas sim um mandato cidadão pela reconciliação, pela ampliação da nossa democracia e pelo desenvolvimento do campo.

Em visitas que a reportagem da Folha fez a bairros humildes dos subúrbios das grandes cidades, como Bogotá e Cartagena, encontramos muita gente dizendo que não irá votar, o que corresponde a uma preocupação que outros membros de seu governo já expressaram. O sr. teme uma alta abstenção no plebiscito?
A abstenção na Colômbia sempre esteve entre os 50% e os 65%. Uma abstenção no plebiscito de mais ou menos esse nível não poderia ser interpretada como uma mensagem sobre o acordo de paz ou sobre o meu governo. O que está mais claro nesta campanha é que nossa democracia está revitalizada com a grande quantidade de movimentos de cidadãos que surgiram.

Em entrevista à Folha, na última segunda-feira (26), em Cartagena, o ex-presidente Álvaro Uribe disse que as "zonas de segurança" estariam comprometidas porque o contexto seria de promiscuidade entre os que estarão dentro e os que as vigiam, e que, juntos, num futuro próximo, poderiam formar uma nova organização. Está previsto que as tropas que vigiam essas zonas se revezem e tenham preparo para evitar esse problema?
Não há a mínima possibilidade de que isso ocorra. Trata-se de 20 zonas pequenas onde as Farc deixarão as armas num período de seis meses. Isso será verificado pelas Nações Unidas e a segurança ao redor das zonas será feita pelas Forças Armadas da Colômbia.

Alguns críticos do acordo dizem que o argumento da "conexão política" vai servir como brecha para que se anistiem crimes de lesa humanidade. Como se evitará isso?
O acordo é absolutamente claro com relação aos crimes de lesa humanidade, eles não podem ser anistiados ou indultados. Os responsáveis deste tipo de crimes serão investigados, julgados e sancionados por um tribunal. Se contam a verdade e reparam às vítimas, receberão sanções com restrição efetiva da liberdade. Sobre os delitos políticos, apresentaremos um projeto de lei que precisará quais são os que têm conexão com o delito político.

O sr. foi amplamente apoiado pelos países da região e a presença dos distintos chefes de Estado na cerimônia da última segunda (26) demonstrou isso. Que tipo de ajuda espera destes países agora?
Neste momento, esperamos seguir contando com o valioso apoio dos países da região na verificação do cumprimento do acordo. Vários deles farão parte do componente internacional de verificação do desarme das Farc, que estará integrado majoritariamente pelos países da Celac (Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos).

O Brasil esteve bastante presente nas primeiras tentativas de começar essas negociações e inclusive participou com seus helicópteros nos resgates humanitários, em 2009 e 2010. Mas depois se afastou um pouco. O sr. espera que o Brasil esteja presente no pós-conflito? Como?
O Brasil tem muito a aportar ao pós-conflito. Temos pela frente o grande desafio de uma reforma rural que busque desenvolver nosso campo e faze-lo mais produtivo. Creio que o Brasil pode aportar muito conhecimento técnico nessa matéria.

A região, nos últimos anos, vem mudando de perfil político, com os países antes ditos "bolivarianos" em baixa, com a crise do PT no Brasil, a saída do kirchnerismo na Argentina, a situação de desgaste na Venezuela. O sr. crê que o continente caminha na direção de uma certa homogeneidade de centro ou centro-direita?
Cada país tem sua própria dinâmica política e eleitoral. A boa notícia é que essa alternância demonstra a maturidade da democracia na América Latina. Há algumas décadas isso era impensável.

Os países do Mercosul vêm tentando, nos últimos tempos, formular uma nova maneira de atuar como bloco e alguns, como a Argentina do presidente Mauricio Macri, foram até mais explícitos numa tentativa de aproximar-se da Aliança do Pacífico. O sr. vê isso como uma tendência que se deve fortalecer nos próximos meses ou anos?
Sim, claro. De fato, a Aliança do Pacífico e o Mercosul começaram a construir espaços de aproximação no que temos denominado como "convergência da diversidade". Isso nos permitiu identificar áreas de trabalho e de interesse dos dois blocos em assuntos de facilitação do comércio e cooperação aduaneira que, sem dúvida, trarão benefícios para todo o continente. No futuro, devemos aprofundar essa tendência, porque a integração econômica entre os países da América Latina é algo que ajuda a impulsar nosso desenvolvimento e prosperidade.

O que o sr. pensa da recente transição no Brasil? Já esteve em contato com o presidente Michel Temer?
Com a ex-presidente Dilma Rousseff tivemos uma muito boa relação e um entendimento fluido que enriqueceu as relações entre ambos os países. Somos respeitosos da decisão que tomou o Congresso brasileiro e nossa intenção é manter essa boa relação com o novo governo. Agradeço sinceramente as palavras de apoio ao processo de paz que recentemente expressou o presidente Temer, a quem conheci na Assembleia da ONU há algumas semanas.

A crise econômica do Brasil vem impactando a Colômbia? Como o sr. tem debatido a questão com sua equipe econômica?
Nos últimos anos temos recebido muito investimento brasileiro em diferentes setores da economia. Por isso, a crise econômica brasileira é uma má notícia para nós, porque desacelera a integração entre os dois países. Esperamos que essa situação se reverta o quanto antes, porque na Colômbia valorizamos muito tudo o que ocorre no Brasil.


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