Folha de S. Paulo


Gay e de origem judaica, alemão busca reparação por repressão de lei nazista

Quando a Alemanha foi derrotada na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), Wolfgang Lauinger pensou ter despistado seu pesadelo. Gay e de origem judaica, ele era parte de duas das populações perseguidas pelo ditador Adolf Hitler (1889-1945).

Mas, cinco anos depois, ele foi detido por oficiais da então Alemanha Ocidental, que deu sequência à perseguição a gays com base na legislação criada pelo nazismo.

Hoje, aos 98 anos de idade, ele aguarda um pedido de desculpas do Estado.

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Wolfgang Lauinger em fotografia de 2015. Credito: Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Wolfgang Lauinger, em imagem do ano passado

A reparação pode, enfim, chegar. Legisladores alemães querem que o governo se apresse em anular as condenações e compense as vítimas, que ainda têm ficha criminal. A medida conta com o apoio do ministro da Justiça, Heiko Maas.

Mais de 50 mil homens foram condenados por serem gays entre o fim da Segunda Guerra e 1994, quando o país finalmente anulou por completo o parágrafo 175 do Código Penal.

O trecho, herdado pela Alemanha Ocidental do regime nazista, permitia a detenção de gays, como Lauinger.

Apesar de não ter sido formalmente condenado, ele foi perseguido tanto antes quanto depois da guerra, e hoje advoga por essa causa.

Em entrevista à Folha, Lauinger conta que, durante a reconstrução do país, antigas ideologias foram mantidas, e isso incluiu a perseguição aos homossexuais.

Em 1940, um de seus amigos foi detido e torturado em Frankfurt, mas recusou-se a entregar o "gay judeu" —ou seja, o próprio Lauinger.

"Eu devo minha vida a ele. Gay e judeu. Isso teria significado o campo de concentração", lembra-se.

Com o fim da Segunda Guerra e a manutenção da lei contra homossexuais, Lauinger voltou a ser perseguido pelas autoridades. "Eu tinha um bom emprego, um belo apartamento. A vida havia se normalizado", diz. "Quando a polícia me levou, em 1950, eu não tinha ideia do que queriam de mim."

Em seguida, Lauinger soube: um garoto de programa havia denunciado uma série de homossexuais à polícia, levando a dezenas de prisões e acusações. Lauinger foi detido por sete meses, mas mais uma vez não foi condenado.

Ele espera, desde então, que o Estado se desculpe pelas perseguições e anule as acusações. Mas o processo, diz, "é longo e desgastante".

"Vivemos uma lenta parte da democratização e do processo de liberalização da República Federal da Alemanha", diz. "Há uma nova geração, que reconhece que o parágrafo 175 nunca foi compatível com a Constituição."

"Quando a reabilitação ocorrer e a honra for restituída, estaremos então cumprindo uma parte da Carta."

CONSERVADOR

Para o historiador Samuel Huneke, da Universidade Stanford, a homofobia tem um "longo histórico" na Alemanha e foi profundamente arraigada na consciência pública durante o século 20, quando o avanço dos direitos dos gays foi "lento" e "doloroso". Huneke estuda os efeitos do parágrafo 175.

À reportagem ele afirma que esse trecho da legislação "atrofiou o desenvolvimento de um movimento pelos direitos gays na Alemanha e de qualquer tipo de esfera pública gay". Dessa maneira, teve um sério impacto, com consequências ainda vivas.

Para os legisladores que pedem a reparação, há razões para a pressa. A primeira é a idade das vítimas, que já beiram um século de vida.

ELEIÇÃO

Parlamentares também se preocupam com a possibilidade de que o governo se torne mais conservador nas eleições previstas para 2017.

Os pleitos regionais recentes mostraram, por exemplo, o crescimento do partido de extrema-direita AfD (Alternativa para a Alemanha). Em Berlim, em 18 de setembro, a AfD teve 14,2% dos votos.

Além disso, há o receio de que essa proposta seja escanteada quando começarem as campanhas eleitorais.

"Quanto mais próximos estivermos das eleições, menos produtivos vão ser os debates", diz à reportagem a parlamentar Katja Keul, do partido Os Verdes. "Se tivermos que esperar até depois do pleito, nós vamos ter que começar de novo do zero."

Keul é uma das responsáveis pelo pedido de anulação dos julgamentos de homossexuais realizados até 1994.

Parlamentares pedem, ainda, que as vítimas sejam recompensadas financeiramente. Keul prefere não estimar qual poderia ser o valor, a ser estipulado pela Justiça.

"Isso seria visto como um pedido de desculpas", afirma. "Para as vítimas, é importante saber que o governo decidiu que esses julgamentos estavam equivocados."


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