Folha de S. Paulo


'Não é bonito ficar muitas horas no escritório', diz governadora de Tóquio

Kenjiro Matsuo - 24.ago.2016/Xinhua
(160824) -- TOKIO, agosto 24, 2016 (Xinhua) -- La gobernadora de Tokio, Yuriko Koike ondea la bandera olímpica a su llegada al Aeropuerto Internacional de Haneda en Tokio, Japón, el 24 de agosto de 2016. La bandera olímpica fue entrega a la gobernadora de Tokio, Yuriko Koike de manos del presidente del Comité Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach durante la ceremonia de clausura de los Juegos Olímpicos de Río de Janeiro 2016, para dar la bienvenida a los Juegos Olímpicos de Tokio 2020. (Xinhua/Kenjiro Matsuo/AFLO/ZUMAPRESS) (vf) ***DERECHOS DE USO UNICAMENTE PARA NORTE Y SUDAMERICA***
Yuriko Koike, governadora de Tóquio, desembarca na cidade japonesa com a bandeira olímpica

Em pouco mais de um mês à frente de uma das maiores megalópoles do mundo, a governadora de Tóquio, Yuriko Koike, provocou uma pequena revolução trabalhista.

Determinou que nenhum funcionário do governo deve trabalhar depois das 20h.

Nesse horário em ponto, as luzes dos escritórios governamentais devem ser apagadas. Uma "equipe de prevenção do excesso de trabalho" anotará informações sobre funcionários que fizerem horas extras.

A meta de Koike, primeira mulher a administrar a metrópole japonesa, é combater a ideia de que é "bonito ficar muitas horas no escritório". "No Japão, a jornada 'das 9 às 5' não termina às 17h, como no resto do mundo, mas às 5h da manhã seguinte."

Para a governadora, essa cultura prejudica as mulheres, principalmente as que têm filhos. A fatia de japonesas que trabalham é hoje inferior à dos homens (66% a 85%), seus salários são menores e crescem menos.

A ambição de Koike é que essa mudança se espalhe por todo o setor privado, depois de adotadas pelos 170 mil funcionários do governo.

Não é a primeira vez que ela começa em seus próprios domínios uma campanha de costumes. Sua primeira batalha foi contra as gravatas.

Quando foi ministra do Meio Ambiente, proibiu o uso do acessório no Ministério e lançou no país a campanha "cool biz" (trocadilho, em inglês, entre "negócio fresco" e "negócio bacana").

O objetivo era economizar ar-condicionado no verão de Tóquio -que vai a 31° Celsius, com umidade de 70%.

"No começo, eles ficaram assustados. Mas hoje todos me agradecem."

A dispensa das gravatas acabou virando hábito em empresas privadas, até mesmo entre presidentes.

"Tirar barreiras físicas é importante, mas é fundamental derrubar as mentais", afirma Koike, que enfrentou o próprio partido para se candidatar ao governo de Tóquio e venceu as eleições com quase 3 milhões de votos.

Nos próximos anos, porém, ela precisará se dedicar também aos obstáculos físicos. À frente das preparações para as próximas Olimpíada e Paraolimpíada, seus planos são fazer de Tóquio —sede dos Jogos de 2020— um "símbolo mundial nas políticas de apoio à população mais envelhecida", principalmente em mobilidade e saúde.

A cidade, que já tem um quarto da população com mais de 75 anos, ficará ainda mais velha. De um lado, as pessoas viverão mais: a expectativa de vida ao nascer no Japão é de 84,75 anos e beira os 89 para mulheres.

De outro, o número de jovens tende a cair: na média, cada mulher japonesa tem 1,4 filho (estimativa para 2015), o 14º menor índice entre 226 países compilados pelos EUA.

Koike vai deixar o cargo de governadora dias depois da abertura olímpica de 2020. Até lá, planeja instalar rampas, escadas rolantes e elevadores e alargar portas para facilitar a locomoção.

Não precisará fazer grandes obras, mas seus planos vão afetar os 13,6 milhões de habitantes, mais 3 milhões que vêm trabalhar todos os dias. Há muitas ruas estreitas e sem calçadas, em que pedestres disputam espaço com veículos e postes de fiação —que ela quer colocar abaixo.

A governadora falou com a Folha no Rio, horas antes de encerrar a Paraolimpíada de 2020.

*

Folha - Tóquio já tem uma das melhores infraestruturas do mundo. Qual o legado de sediar uma Olimpíada?

Yuriko Koike - Depois dos primeiros Jogos, em 1964, a cidade se transformou enormemente. A população cresceu numa curva exponencial. A metrópole atraiu jovens do interior e houve uma revitalização urbana.

A Olimpíada aconteceu após a Segunda Guerra Mundial, quando o Japão estava em seu mais baixo patamar, e os Jogos ajudaram a alavancar um recomeço para o país.

Em 2020, a situação será muito diferente. O PIB do Japão se retraiu, houve redução no crescimento populacional e um aumento da parcela de população mais idosa.

Que desafios isso traz?

Essa é uma questão que a Ásia e a Europa terão que enfrentar: será preciso fazer cidades que possam abraçar essa população mais idosa e descobrir como lhes proporcionar saúde melhor. Ainda não conseguimos enxergar a solução. Mas, diferentemente de 50 anos atrás, Tóquio e o Japão terão que se tornar um exemplo para o mundo.

Acessibilidade é uma das preocupações para 2020?

Nossa malha de metrô já é a mais desenvolvida do mundo –o que pode ser um problema para os estrangeiros. Precisaremos facilitar a compreensão dos visitantes.

No momento, estamos trocando escadarias por escadas rolantes e elevadores, o que ajudará os mais velhos e, na Paraolimpíada, os cadeirantes. Nas plataformas, estamos colocando barreiras para evitar que deficientes visuais sofram acidentes.

Um dos símbolos da emergência do Japão em 1964 foi a inauguração do shinkansen (trem-bala), dias antes da abertura dos Jogos. Qual o novo marco urbano de Tóquio a partir de 2020?

É verdade, o shinkansen foi o grande legado da primeira Olimpíada de Tóquio. Mas, na época, o Japão ainda era muito pobre. Precisou de financiamento do Banco Mundial e apenas 26 anos atrás finalmente liquidou essa dívida. Nesse ínterim conseguimos desenvolver o país e chegarmos aonde chegamos.

Na época, precisamos da ajuda do mundo para fazer o evento. Em 2020, estamos na posição de poder ajudar outros países. Queremos trabalhar muito na questão da sustentabilidade ecológica e ser um símbolo mundial nas políticas de apoio à população mais envelhecida.

Como Tóquio evitará os impactos ambientais típicos de grandes eventos, como consumo de energia e mais lixo?

Em Tóquio já não existem latas de lixo, para que cada um cuide dos resíduos que produz. Em relação à emissão de CO‚, o Japão está muito avançado em carros elétricos, e pretende reduzir o consumo de energia com lâmpadas LED e mais eficiência energética dos aparelhos.

Quando fui ministra do Meio Ambiente, fizemos campanhas para mudar a consciência da população.

Como você pode ver, nenhum dos meus assistentes usa gravata. Nós abolimos as gravatas no ministério e depois, no setor privado, mesmo os presidentes de empresas as abandonaram.

No começo a ideia foi muito criticada, as pessoas se assustaram, mas depois todos passaram a adotar a prática. Hoje eles me agradecem por ter feito essa mudança.

As mulheres japonesas estão entre as mais bem preparadas do mundo, mas o status delas no mercado de trabalho ainda é inferior. Que políticas podem mudar esse quadro?

Na sociedade japonesa, é bem avaliado trabalhar por muitas horas. É algo muito enraizado na cultura.

As mulheres ficam restritas a ter que cumprir essa longa jornada e as que têm filhos não podem atender a isso.

É uma sociedade que deixou aos homens trabalhar nessa longa jornada. Doravante, trabalhamos para tentar trazer essas mulheres para o mercado, para que elas possam entrar de uma forma mais fácil.

Para isso precisamos revolucionar o pensamento da população como um todo.


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