Folha de S. Paulo


Antes vista com esperança, prefeita de Roma é criticada por inexperiência

Quando foi eleita prefeita de Roma, em junho, a advogada Virginia Raggi, 38, simbolizava um novo momento na política italiana: a política sem políticos.

Candidata pelo partido antissistema Movimento 5 Estrelas, ela era a aposta de uma população exausta por anos de corrupção e pela má administração dos "políticos profissionais".

Seu governo, no entanto, tem sido duramente criticado, e há reclamações justamente sobre a falta de experiência que, meses atrás, era vista como uma qualidade.

Uma crise na coleta de lixo tem, por exemplo, levado ao acúmulo de entulho nas ruas. Diversas de suas nomeações a cargos públicos acabaram envoltas em polêmicas.

Agravando o mal-estar, ela anunciou nesta quarta-feira (21) que Roma não tem mais interesse em sediar a Olimpíada de 2024, um gesto impopular entre o seu público. Ela argumentou que as instalações esportivas se tornariam elefantes brancos, com cujos custos a cidade não poderia arcar.

Caso não recupere o apoio que lhe deu o cargo, Raggi pode ser um entrave às ambições nacionais do partido.

O Movimento 5 Estrelas, fundado em 2009 pelo comediante italiano Beppe Grillo, é um forte candidato às eleições parlamentares de 2018. Mas terá que, até lá, sobreviver ao teste em Roma.

Um desafio será encontrar alternativas para conseguir governar uma capital complexa como Roma, sem no entanto recorrer à política tradicional que tanto critica.

"Roma tem as características de um pequeno Estado, devido a suas dimensões, à sua situação financeira", diz à Folha o cientista político italiano Raffaele de Mucci.

"Governar essa cidade de uma maneira 'não política' é impossível e também bastante perigoso", afirma.

NOMEAÇÕES 'INGÊNUAS'

Mucci diz ainda que a prefeita de Roma é criticada pelo uso "ingênuo" de nomeações públicas, "um método pelo qual o Movimento 5 Estrelas sempre culpou o antigo sistema de partidos".

Raggi nomeou Raffaele de Dominicis como seu chefe de finanças, na expectativa de restaurar a credibilidade do governo. Dias depois de assumir o posto, ele admitiu estar sob investigação judicial e foi demitido. Dominicis foi o sexto membro de alto escalão a deixar a prefeitura em um curto período de tempo.

O diário italiano "La Repubblica", um dos principais do país, publicou recentemente trechos de uma carta assinada por dezenas de funcionários da prefeitura criticando a falta de orientação e a paralisia administrativa.

Partidários do 5 Estrelas acusam a imprensa italiana de ser excessivamente dura com Raggi, sem lhe dar tempo de apresentar resultados.

Parte dos problemas de sua gestão é anterior à sua chegada à prefeitura, como a crise no transporte e na coleta de lixo, que tanto estrago tem feito a sua fama.

Mas, para analistas, há entraves causados pela falta de prática na administração.

REFERÊNCIA

Uma das saídas para Raggi se fortalecer pode ser analisar outras experiências de prefeitos europeus vindos de fora da política tradicional.

Um exemplo é Manuela Carmena, prefeita de Madri, que derrotou a política tradicional do conservador Partido Popular.

Ela é aliada do movimento de esquerda Podemos, surgido dos protestos de rua em 2011 na Espanha.

Carmena, a princípio, foi recebida com resistência. Mas, um ano após sua eleição, tem obtido bons resultados. Seu governo reduziu a dívida da prefeitura em € 1 bilhão (R$ 3,63 bilhões).

Outro caso semelhante na Espanha é Barcelona, governada por Ada Colau.

Uma das diferenças entre essas cidades e Roma é que as prefeitas espanholas têm uma forte base social.

"Em Roma, não há uma base de mobilização social prévia, uma articulação política", diz o analista espanhol Joan Subirats, da Universidade Autônoma de Barcelona.

Procurado pela Folha, o 5 Estrelas não respondeu aos pedidos por uma entrevista.


Endereço da página:

Links no texto: