Folha de S. Paulo


Análise

Fala de Temer converge com a de Obama, mas não reconhece crise

Os discursos de Temer e Obama na ONU foram bastante convergentes e isso mostra que o novo governo brasileiro está mais sintonizado com os valores da democracia representativa, da proteção dos direitos humanos e do desenvolvimento da economia, comparado com os governos Lula e Dilma.

Claro que o discurso de Temer é pobre comparado com o excelente diagnóstico de Obama sobre a difícil situação mundial.

Por outro lado, é interessante observar que seis países se retiraram em repúdio a Temer, sendo cinco deles regimes autoritários ou semiautoritários.

Beto Barata/Presidência da República
Presidente do Brasil, Michel Temer, discursa na abertura da Assembleia Geral da ONU nesta terça (20)
Presidente do Brasil, Michel Temer, discursa na abertura da Assembleia Geral da ONU nesta terça (20)

No fundamental, o discurso de Temer foi na direção correta: a favor da globalização e do livre comércio, mas alertando sobre seus impactos negativos em termos de assimetrias internacionais e intranacionais; a favor dos direitos humanos, das migrações internacionais e da proteção aos refugiados; e contra o nacionalismo xenófobo, o racismo, o terrorismo e a proliferação nuclear.

Houve duas deficiências principais no discurso de Temer. Ele fugiu de fazer referência à dramática crise venezuelana, com colapso econômico e social, violações de direitos humanos e criminalidade crescente.

O Brasil será profundamente afetado pela crise no vizinho e é ator de primeira grandeza no cenário venezuelano, inclusive porque tem responsabilidades na criação do problema, pelo apoio dado ao regime durante os governos Lula e Dilma.

Uma política hemisférica conjunta e incisiva coordenada por Brasil, Colômbia, México e EUA seria o único caminho para evitar que a Venezuela se transforme em algo parecido com a Síria.

Temer defendeu corretamente que o impeachment ocorreu dentro das normas da Constituição e do Estado de Direito, mas delirou quando falou que era um exemplo democrático para o mundo.

Dos quatro presidentes eleitos desde a Constituição de 1988, dois sofreram impeachment, numa demonstração da baixíssima qualidade da democracia brasileira.

Michel Temer deveria ter reconhecido diante do mundo a gravidade da crise econômica, política e moral que o Brasil atravessa e destacado que a principal força construtiva da sociedade brasileira é, hoje, a investigação anticorrupção com forte apoio da população.

EDUARDO VIOLA é professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília


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