Folha de S. Paulo


Premiê canadense se aproxima de 1º ano no cargo e quer redefinir imagem

A audiência demonstrava entusiasmo, e Justin Trudeau estava se esforçando para se comunicar com todos os presentes. A impressão que ele deixava era a de que apertaria a mão de cada um dos espectadores, em um salão de convenções lotado que tornava perceptível o leve traço de suor em sua testa. Mesmo em território que poderia ter sido hostil, o entusiasmo era palpável.

É assim que as coisas funcionam quando você é uma mistura de primeiro-ministro e astro da mídia social, em lua de mel com o eleitorado —uma lua de mel que, longe de estar perdendo o ímpeto, na verdade parece ter se intensificado desde que Trudeau e seu Partido Liberal conquistaram vitória esmagadora na eleição geral do final do ano passado.

Depois de dez meses no posto, porém, Trudeau está sinalizando uma virada de foco, na direção de encarar as dificuldades do posto tão entusiasticamente quanto ele vem encarando as recompensas.

Bobby Yip/Reuters
Canadian Prime Minster Justin Trudeau attends a wreath laying ceremony at Sai Wan war cemetery, where some Canadian soldiers who died in World War Two were buried, in Hong Kong, China September 6, 2016. REUTERS/Bobby Yip ORG XMIT: HKG09
O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, em cerimônia em cemitério de guerra em Hong Kong

As pesquisas de opinião pública mostram que seu índice de aprovação continua a subir, mesmo entre as pessoas que apoiam os dois outros grandes partidos do país. No mais recente levantamento da Nanos Research, 73% dos respondentes concordaram que Trudeau demonstrava as qualidades de um bom líder político.

Os delegados presentes ao salão de convenções pareciam concordar, embora fossem membros da Unifor, a maior central sindical do setor privado canadense. Os sindicatos que deram origem à central ajudaram a fundar o Novo Partido Democrata, o maior rival dos liberais na centro-esquerda.

"Eu o amo. Ele sempre pensa adiante, sempre adiante", disse Annette Morgan, membro de um sindicato da Unifor em Toronto. "E ele apoia os trabalhadores; está disposto a conversar conosco", acrescentou sua amiga Nicole Beard.

Com a aproximação do primeiro aniversário de sua posse, Trudeau vem sutilmente tentando se redefinir, e redefinir o seu partido. Analistas dizem que nos próximos meses ele precisará demonstrar que, mais que uma nova sensação do YouTube, ele é também o chefe de um governo capaz de cumprir uma longa e frequentemente ambiciosa lista de promessas eleitorais.

CONSULTA AO PÚBLICO

A ênfase dele em consultar o público antes de tomar decisões importantes —em forte contraste com os conservadores, que ele derrotou— comprou tempo para que Trudeau enfrente algumas questões potencialmente espinhosas. O mesmo pode ser dito sobre a desordem e o vácuo de liderança nos dois principais partidos de oposição. Mas nenhuma das duas coisas durará para sempre.

"Ele é a pessoa que está carregando tudo isso, no momento", disse Alex Marland, professor-assistente de ciência política na Universidade Memorial da Terra Nova. "Minha sensação é de que ele está tentando deixar para trás sua imagem como o primeiro-ministro do selfie", disse Marland. "O risco é terminar sendo visto como nada mais que uma celebridade. Se o objetivo é que as pessoas pensem nele como um sujeito inteligente e ponderado, ele terá de desenvolver novas ideias."

Trudeau organizou retiros para seu gabinete e a bancada legislativa de seu partido no final de agosto, tendo essa meta em mente. Depois do retiro do gabinete, durante o qual os ministros se acomodaram em alojamentos universitários espartanos e não em um hotel de luxo, as declarações públicas de Trudeau revelavam cautela.

"Haverá decisões e desafios difíceis à nossa frente, quanto a todas as coisas, dos recursos naturais a investimentos e acordos comerciais", ele declarou em uma entrevista coletiva em Sudbury, Ontário.

No encontro com o gabinete, os ministros de Trudeau assistiram a uma palestra de Michael Barber, o principal encarregado da "unidade de cumprimento de promessas" que Tony Blair estabeleceu quando foi primeiro-ministro do Reino Unido.

A mensagem, disse Barber a repórteres posteriormente, era de que em breve os "modos ensolarados" —a famosa descrição de Trudeau quanto ao seu partido— dos liberais teriam de mudar.

"No segundo ano de governo, você realmente precisa de foco incansável em implementação, em tomar decisões difíceis que não agradarão a todas as pessoas o tempo todo", disse Barber. Trudeau agiu rápido quanto a algumas de suas promessas, ao assumir, entre as quais a de receber 25 mil refugiados sírios.

Mas, até o momento, "seria justo dizer que a maior mudança foi de tom e estilo de liderança", e não de políticas públicas, disse Nik Nanos, presidente do conselho da Nanos Research.

A abordagem de governo de Trudeau enfatiza menos o sigilo e a centralização e, na opinião de Nanos, enquadra-se melhor aos valores tradicionais canadenses do que a abordagem de seu predecessor, o conservador Stephen Harper. "A ofensiva de relações públicas continua", disse Nanos.

A alta no apoio popular a Trudeau pode ser um acontecimento sem precedentes na história do Canadá, disse Norman Hillmer, professor de história e relações internacionais na Universidade Carleton, em Ottawa.

Mas ainda assim, disse Hillmer, o primeiro-ministro pode em breve se ver prejudicado pelo seu hábito de fazer promessas explícitas –algo que seu pai, Pierre Trudeau, costumava evitar quando foi primeiro-ministro nas décadas de 1960, 70 e 80.

"As expectativas criadas são tão grandes que é seguro que surja decepção", disse Hillmer. "Talvez a hora seja agora; eles já colheram todas as recompensas fáceis."

CONTRADITÓRIO

Com a passagem do tempo, Trudeau terá de resolver algumas promessas contraditórias e lidar com questões sobre as quais não existe claro consenso nacional.

Ele já declarou que a mudança no clima será prioridade importante, mas também prometeu ajudar o setor de petróleo e gás natural —vital para a economia do país— a sair de sua atual desaceleração.

Os sentimentos quanto à mudança no clima são intensos. O Conselho Nacional de Energia canadense foi forçado em agosto a suspender audiências sobre um oleoduto que transportaria petróleo das areias oleaginosas de Alberta para o Oceano Atlântico, depois de um confronto em Montreal no qual a polícia usou a força contra manifestantes.

As relações com os aborígenes canadenses, que decaíram muito no governo precedente, melhoraram imediatamente, quando Trudeau assumiu.

Mas é provável que governo algum tenha o poder de resolver todos os problemas e queixas dessa comunidade nos poucos anos de um mandato, especialmente porque a posição dos aborígenes quanto a muitas coisas contrasta fortemente com a posição de outros canadenses.

E embora pareça haver amplo apoio público ao plano de Trudeau para reanimar a economia por meio de gastos públicos, será difícil encontrar maneira duradoura de revitalizar setores cruciais, acima de todos a indústria.

Ainda assim, ninguém acredita que o país venha a se voltar contra seu novo e popular primeiro-ministro, em curto prazo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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