Folha de S. Paulo


Com avanço da coca, Colômbia é pressionada a retomar fumigação

Jhon Paz/Xinhua
Polícia colombiana faz operação para destruir laboratório de coca em Calamar
Polícia colombiana faz operação para destruir laboratório de coca em Calamar, no noroeste do país

O apogeu dos cartéis da droga como os de Medellín e Cali está no passado. Desde seu ocaso, nos anos 90, porém, a produção de cocaína na Colômbia voltou a crescer.

Segundo a ONU, de 2015 a 2016 a produção da droga na Colômbia passou de 442 a 646 toneladas, e os cultivos de coca cresceram 39% desde o ano passado. O mesmo relatório põe a Colômbia de volta no topo da produção mundial de folha de coca (superando Peru e Bolívia juntos), com 96 mil hectares, frente aos 69 mil hectares de 2014.

A oposição ao governo Juan Manuel Santos diz que a principal causa do aumento é a interrupção das fumigações aéreas de regiões cultivadas com o pesticida glifosato e pede sua retomada.

Santos afirma que não o fará, citando determinação da Corte Constitucional, que acolheu argumento de ambientalistas amparados por estudo da Organização Mundial da Saúde sobre possível vínculo do uso do pesticida com alguns cânceres.

O presidente também garantira às Farc que as fumigações, que afetavam seus acampamentos na floresta, iriam parar. Esse gesto foi considerado definidor para que a guerrilha seguisse negociando o acordo de paz, agora concluído, que irá a plebiscito em 2 de outubro.

Cocaína na Colômbia - Produção, em toneladas

Especialistas ouvidos pela Folha explicam que o aumento da produção e da distribuição de cocaína na Colômbia está ligado a vários fatores.

Já a produção, desde o declínio dos cartéis, se divide: uma parte com as guerrilhas de esquerda, como as Farc ou o ELN (Exército de Libertação Nacional), e a outra com as chamadas Bacrim (bandos criminosos, que reúnem ex-paramilitares, ex-guerrilheiros e narcotraficantes).

Na distribuição, a nova estratégia é não depender de barões da droga como Pablo Escobar (Medellín) e os irmãos Orejuela (Cali). Como conta o jornalista Roberto Saviano em seu estudo sobre a cocaína na América Latina, "ZeroZeroZero" (Companhia das Letras), hoje os cartéis são menores e mutantes, sem sede ou líder fixo, para que a polícia não possa detectá-los.

Esse movimento pôde ser observado pela reportagem da Folha em favelas de Medellín e Cartagena, onde o comércio segue intenso.

"Hoje nenhum grupo fica muito tempo no mesmo lugar, eles chegam, vendem, extorquem e vão embora, estão sempre mudando de lugar e de chefe", disse à Folha Rafael Barraga, líder comunitário da favela Nelson Mandela, em Cartagena.

CONSUMO INTERNO - Porcentagem de pessoas que dizem já ter usado alguma vez

NARCOTRÁFICO

Em pronunciamento nesta semana, o governo reconheceu que a interrupção das fumigações pode ter contribuído para o aumento, mas afirmou que não voltará atrás.

"Com o acordo aprovado, teremos ajuda das Farc para substituir cultivos ilícitos por cultivos lícitos", disse Santos, rebatendo o promotor Néstor Humberto Martínez, que pediu a retomada da fumigação.

A oposição liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe (2002-10) critica: "As Farc não são tontas. A guerrilha já passou informações sobre seus cultivos, laboratórios e rotas a outros grupos", disse à Folha o senador Iván Duque, porta-voz da campanha pelo "não" no plebiscito.

Segundo reportagem do site "La Silla Caribe", em regiões do país como o departamento de Córdoba (norte), o ELN e as Bacrim já teriam tomado conta da produção.

Já o diário "El Tiempo" relata que, em Antioquia, cuja capital é Medellín, representantes do ELN já se apresentaram com tabelas de produção e extorsão locais das Farc.

Cocaína na Colômbia - Famílias camponesas no negócio da coca

Em relatório do fim de agosto produzido a partir de investigações no interior do país, o Wilson Center (EUA) atribui o aumento do cultivo na Colômbia ao fim da fumigação e também à orientação das Farc a agricultores para "entrar no cultivo da coca e assim receber a ajuda do governo para substituir gradualmente as plantações."

O estudo mostra ainda que parte das plantações mudou para lugares como parques nacionais, onde leis ambientais vetam a fumigação, e alerta que o avanço do consumo de cocaína na Colômbia (de 2,5% a 3,2%, de 2008 a 2013) e na região pesa mais hoje do que nos anos 90.

O governo considera continuar erradicando manualmente as plantações, apesar da menor eficácia desta tática, ou substituir o glifosato pelo glufosinato de amônio, menos nocivo.


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