Folha de S. Paulo


Lição do Katrina não impediu lacunas em plano para enchente na Louisiana

Onze anos atrás, Sam Barbera colocou seu barco no reboque e se dirigiu a Nova Orleans para transportar pessoas aprisionadas pela inundação que o Katrina causou. Quatro semanas atrás, ele se viu a bordo de outro barco de resgate –desta vez em sua cidade, Baton Rouge, devastada por um imenso temporal.

Foi como "a diferença entre o dia e a noite", disse ele. "O Katrina foi uma espécie de batismo de fogo. As pessoas simplesmente apareceram para ajudar, cada uma fazendo o que podia".

Mas, durante a inundação catastrófica da metade de agosto, os proprietários voluntários e seus barcos –apelidados de "marinha cajun"– foram encaminhados pela polícia a locais em que a água estava subindo, e publicações na mídia social ofereciam informações sobre em que lugares as vítimas precisavam de ajuda.

"Não tínhamos isso no Katrina. O Katrina era, tipo, você chegava com seu barco e o colocava na água. O Katrina foi uma completa confusão", disse Barbera.

Em 2005, a monstruosa tempestade expôs imensas lacunas nos planos de resposta a desastres em nível local, estadual e federal. Mais de 1.500 pessoas morreram, só na Louisiana. Depois que as barragens se romperam e a inundação varreu Nova Orleans e comunidades vizinhas, milhares de pessoas tiveram de ser retiradas dos telhados e sótãos de suas casas.

A reação foi um esforço improvisado, sem estratégia coordenada para os resgates –ou para o que fazer com as pessoas salvas. As equipes iniciais de emergência eram insuficientes para a dimensão da tarefa, e muitas vítimas tiveram de se virar sozinhas.

As lições aprendidas com o Katrina serviram de base à reação estadual e federal quando uma inundação histórica devastou 20 paróquias (as unidades locais de governo da Louisiana) no mês passado. A resposta imediata foi amplamente elogiada pelas autoridades e pelas vítimas da tempestade, democratas e republicanas igualmente.

Mas o esforço de recuperação em prazo mais longo começa a mostrar que restam lacunas na rede de segurança contra desastres –e que a desconfiança quanto à ajuda federal persiste, depois da resposta problemática ao Katrina.

Estão emergindo críticas sobre o ritmo da assistência aos desabrigados, o montante das verbas concedidas pela Agência Federal de Administração de Emergências (FEMA) e dúvidas quanto à reconstrução e recuperação.

"Não acho que vocês estejam levando a questão adiante com a rapidez suficiente, com prazo suficiente, para que as pessoas possam voltar a suas casas", disse Clay Schexnayder, um deputado estadual republicano que representa uma das áreas atingidas, à FEMA, em audiência recente sobre a reação à inundação.

Stephen Perkins, 46, continuava esperando que um inspetor da FEMA aparecesse, dez dias depois que se registrou junto à agência. Perkins tinha uma apólice de seguro contra inundação que cobria o dano estrutural sofrido por sua casa, mas não cobria o conteúdo do imóvel. Um vizinho que tinha o mesmo tipo de seguro contou a Perkins que a FEMA lhe havia oferecido menos de US$ 200 em assistência.

"Fico ouvindo histórias de horror", disse Perkins, que tem dois filhos.

A FEMA defende sua ação de resgate, dizendo ter aprovado mais de US$ 575 milhões em verbas de recuperação para domicílios, até o momento, criado 26 centrais de assistência às vítimas do desastre e enviado mais de 2.500 trabalhadores à Louisiana.

"A FEMA está em campo na Louisiana desde antes que caísse a primeira gota de chuva. Já oferecemos abrigo e apoio a milhares de famílias", afirmou o porta-voz da agência, Rafael Lemaitre, em comunicado.

Talvez queixas sejam inevitáveis quando um desastre deixa tantas pessoas desabrigadas, e estas desejam tão desesperadamente voltar para suas casas. As autoridades estimam que mais de 110 mil casas tenham sido danificadas por inundações descritas como o pior desastre desde a supertempestade Sandy.

Mas o descontentamento demorou mais a se revelar desta vez, e existe pouco desacordo sobre a melhora na reação federal e estadual a desastres nos anos que se seguiram ao Katrina.

As pessoas não tiveram de passar dias isoladas e sem acesso a mantimentos, como foi o caso no centro de convenções da Louisiana ou em viadutos nas rodovias interestaduais, depois da Katrina. Hospitais e casas de repouso não foram deixados sem ajuda quando ameaçados pela inundação, como em 2005.

Os abrigos permitiam a entrada de pessoas acompanhadas por seus animais de estimação, a fim de evitar o acontecido em desastres anteriores, quando pessoas correram o risco de afogamento de preferência a deixar seus animais em casas inundadas.

O sargento Cliff Ortis realizou missões de resgate para o Departamento de Fauna e Pesca nos dois desastres. Para ele, a mudança é óbvia. Ele apontou que as agências estaduais e locais agora realizam reuniões regulares a fim de mapear protocolos de resposta a desastres e sincronizar seus esforços.

"Existe com certeza um gigantesco movimento de educação, do Katrina para cá", afirma Ortis. "Não há dúvida de que a coordenação foi melhor".

O republicano Billy Nungesser, vice-governador do Estado, que enfrentou o Katrina na paróquia de Plaquemines, uma das mais atingidas, disse que a resposta do Estado e da FEMA "foi muito bem conduzida".

Isso não equivale a sugerir que ela tenha acontecido sem problemas. Os danos que a inundação causou a equipamentos da operadora de telecomunicações AT&T prejudicaram o serviço e dificultaram em alguma medida a comunicação entre as equipes de resgate.

Centenas de motoristas se viram aprisionados em uma rodovia interestadual quanto as autoridades estaduais demoraram demais a fecha-la. As autoridades locais criticaram a Cruz Vermelha por demorar demais a ajudar quanto a abrigos e por recusar doações.

E do mesmo jeito que ocorreu depois do Katrina, o grande desafio daqui para o futuro serão as verbas. A estimativa é que menos de 20% das vítimas do desastre tivessem seguro contra inundações, e por isso o governador John Bel Edwards e a bancada da Lousiana no Congresso estão discutindo um pacote adicional do Legislativo para ajudar no combate à enchente.

Carlette Dawson, 49, disse ter recebido US$ 15 mil da FEMA depois que um inspetor da agência visitou sua casa em Baton Rouge. Ela precisa de muito mais dinheiro para reparar os danos, e por isso está consultando a Administração de Pequenas Empresas, outra agência do governo federal norte-americano, quanto a um possível empréstimo. Mas seu computador está com problemas e ela estava enfrentando uma espera de mais de
duas horas.

"Por que é tão difícil conseguir ajuda?", ela questionou.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página:

Links no texto: