Folha de S. Paulo


Indústria da maconha chama militares veteranos para proteger empresas

Ryan David Brown/The New York Times
Chris Bowyer, with Iron Protection Group, on a night shift providing security at The Herbal Cure, a marijuana shop and grow house in Denver, Aug. 26, 2016. In Colorado, a curious marriage has formed between the booming cannabis industry and its young war veterans, more than 200 of whom of have taken jobs protecting marijuana businesses across the state. (Ryan David Brown/The New York Times)
Chris Bowyer, em seu emprego como segurança da loja que vende maconha Herbal Cure, no Colorado

É noite na Herbal Cure, uma casa de cultivo e comércio de maconha na zona sul da cidade de Denver, em uma área dotada de amplo estacionamento, na beira de uma rodovia. Dentro da loja, há uma verdadeira fortuna em maconha: milhares de dólares em plantas, caixas de chocolates com infusão de maconha e vidros de meio quilo de maconha com nomes como Frankenberry, Lemon Skunk e Purple Cheddar.

Chris Bowyer, um veterano das Forças Armadas que agora trabalha como segurança no setor de comércio de maconha, está posicionado do lado de fora da casa. Ele porta uma pistola calibre .40 na cintura e fala sobre seu trabalho no campo de batalha. Não no Iraque –no Colorado, onde criminosos que tentam invadir as empresas que comerciam maconha precisam enfrentar veteranos de guerra encarregados de detê-los.

"Essa é minha terapia", disse Bowyer, caminhando na direção de um ponto pelo qual ladrões invadiram a propriedade recentemente. Ele verificou a cerca em busca de sinais de nova incursão, e depois se encaminhou a um escritório para anotar suas atividades noturnas em um diário rigorosamente organizado. "Era assim que fazíamos nas Forças Armadas."

No Colorado, um curioso casamento surgiu entre o florescente setor de comércio de maconha –que é legal no Estado desde 2014, mas continua ilegal aos olhos do governo federal– e jovens veteranos de guerra, mais de 200 dos quais encontraram emprego protegendo empresas de comércio de maconha em todo o Estado.

Eles dedicam seus dias e noites a proteger lojas e armazéns de maconha em áreas urbanas e suburbanas, e plantações de cannabis em regiões rurais, evitando a ação de ladrões, algo que se tornou comum nesse negócio onde as transações são realizadas em dinheiro e os produtos têm alto valor.

Ryan David Brown/The New York Times
Curtis Simmons, foreground, instructs Samson Smith, with handgun, during an Iron Protection Group training session, outside Bailey, Colo., Aug. 26, 2016. In Colorado, a curious marriage has formed between the booming cannabis industry and its young war veterans, more than 200 of whom of have taken jobs protecting marijuana businesses across the state. (Ryan David Brown/The New York Times)
O instrutor Curtis Simmons durante aula do grupo Iron Protection, no Estado do Colorado

Para alguns deles, um emprego como segurança no ramo de comércio de maconha é um estágio a caminho de um posto em uma força policial, ou como preparação para o estudo de Direito. Para outros, porém, é uma união mais significativa entre dois grupos excluídos pela sociedade, apoiando-se mutuamente em um país incerto sobre como aceitá-los.

"É quase que uma união de espíritos", disse Bowyer, 30, acomodado em um escritório em que estão visíveis um computador, um colete à prova de balas e um catálogo que detalha os produtos de maconha vendidos sob a marca Jimi Hendrix. Os plantadores e vendedores de maconha reconhecem "que existe outro grupo de caras com talentos específicos", ele afirma, "e que estamos aqui para ajudá-los".

Nenhuma atividade econômica está imune a roubos. Mas os proprietários das 978 lojas licenciadas para vender maconha e das 1.373 plantações licenciadas de maconha no Colorado estão especialmente vulneráveis. Como o governo federal considera a maconha ilegal, muitos bancos se recusam a trabalhar com as empresas de comércio de maconha, e as forçam a operar com dinheiro vivo.

Talvez o mais importante seja o fato de que seu produto também é lucrativo para os criminosos. Um quilo de maconha, que no Colorado vale US$ 4,4 mil, pode ser vendido pelo dobro ou triplo desse valor em outros Estados norte-americanos.

Lojas e casas de cultivo de maconha são em muitos casos alvos fáceis para ladrões, localizadas em áreas escuras das cidades. E, ao contrário do dinheiro vivo, maconha é um produto cuja origem não pode ser traçada, e é fácil vendê-la via Craigslist ou a traficantes em Chicago ou Nova York.

"O mercado negro continua a florescer", disse o comandante James Henning, do departamento de polícia de Denver. Ao contrário da narrativa popular, a maconha é o alvo típico dos gatunos. "Eles não roubam dinheiro", disse o policial. "O dinheiro em geral fica guardado em um bom e velho cofre que eles não têm como arrombar. Usualmente o que eles roubam são plantas ou a maconha já em formato comerciável".

A polícia de Denver diz acreditar que os estabelecimentos de comércio de maconha da cidade venham sendo alvos de grupos de crime organizado, ainda que não existam provas de que esses grupos estejam ligados aos cartéis estrangeiros das drogas.

Vídeos de vigilância sobre alguns dos furtos mostram ladrões abrindo caminho com uma serra pelo telhado de uma loja, acompanhando a movimentação da polícia por meio de rádios sintonizados nas frequências policiais, e amarrando funcionários.

Em um caso, no sul do Colorado, um par de seguranças viu quatro homens usando uniformes camuflados, e carregando fuzis de assalto AR-15 se aproximando do local por um descampado. Os dois vigias, antigos fuzileiros navais que foram atiradores de elite e usam sistemas de visão noturna, fizeram disparos de advertência contra os supostos assaltantes e os levaram a fugir.

Denver, uma das poucas jurisdições que compilam dados sobre crimes contra empresas de maconha, conta com 421 lojas e casas de cultivo de maconha. A cidade registrou 192 furtos e roubos em empresas desse tipo em 2015. Em Aurora, um subúrbio no qual existem 19 estabelecimentos de comércio de maconha, 18 furtos e roubos aconteceram de 2014 para cá.

Mas alguns proprietários de empresas não reportam invasões, porque se preocupam com a possibilidade de que isso leve suas lojas a serem vistas como alvos, ou por medo de atrair a atenção de inspetores que poderiam encontrar violações.

Os criminosos conseguem resultados que variam de algumas latas de refrigerante com infusão de maconha a US$ 250 mil em plantas. Em junho, algo muito pior aconteceu: dois homens armados entraram em uma loja de maconha em Aurora chamada Green Heart e mataram o segurança Travis Mason. A polícia definiu o caso como uma tentativa frustrada de assalto.

Mason, 24, foi fuzileiro naval e tinha três filhos, e ao que se acredita foi o primeiro trabalhador da indústria da maconha a morrer no Colorado. O episódio alarmou o setor. Algumas empresas de segurança reportam ter recebido grande número de consultas quanto à contratação de seguranças armados.

"Os ladrões do setor estão se tornando mais ousados, mais agressivos", disse Ryan Tracy, 38, gerente geral da Herbal Cure, que agora tem um segurança de serviço todas as noites.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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