Folha de S. Paulo


Ida a Meca intensifica rivalidade sobre que país representa o islã verdadeiro

Ahmed Jadallah/Reuters
Muslim pilgrims visit the Hera cave, where Muslims believe Prophet Mohammad received the first words of the Koran through Gabriel, at the top of Mount Al-Noor, ahead of the annual haj pilgrimage in the holy city of Mecca, Saudi Arabia September 7, 2016. REUTERS/Ahmed Jadallah TPX IMAGES OF THE DAY ORG XMIT: GGGGAZ01
Peregrinos na caverna de Hera, onde islâmicos acreditam que Maomé recebeu as palavras do Corão

Enquanto muçulmanos de todo o mundo se dirigem a Meca para o Hajj, a peregrinação anual a Meca, Irã e Arábia Saudita intensificaram sua rivalidade sectária em torno de qual país representa o islã verdadeiro.

O Irã lançou seu primeiro dardo na segunda-feira (5), quando o líder supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, acusou a Arábia Saudita de matar peregrinos intencionalmente durante o Hajj do ano passado. Ele convidou os muçulmanos do mundo a reverem o controle saudita dos locais sagrados.

A Arábia Saudita respondeu na terça-feira (6), quando o clérigo de mais alta posição no reino declarou que os líderes iranianos "não são muçulmanos".

A rixa ressalta a rivalidade religiosa e estratégica profunda existente entre o Irã, de governo xiita, e a família real saudita, sunita, uma hostilidade que deixou as duas potências do Oriente Médio em lados opostos nas guerras no Iêmen e na Síria e os leva a competir, cada uma procurando enfraquecer a influência da outra na região.

O desentendimento diplomático mais recente se dá logo antes do aniversário de um tumulto trágico ocorrido na peregrinação do ano passado que deixou mais de 2.400 mortos, incluindo centenas de iranianos, segundo contagem da Associated Press. A contagem oficial de mortos realizada pela Arábia Saudita, que não foi atualizada desde logo após o acontecimento, apontou para 769 mortos.

Os dois países romperam relações diplomáticas em janeiro, depois que manifestantes iranianos invadiram missões diplomáticas sauditas para protestar contra a execução pela Arábia Saudita do clérigo xiita xeque Nimr al-Nimr.

As negociações com vistas a permitir a participação de peregrinos iranianos no Hajj deste ano fracassaram, de modo que não haverá iranianos presentes.

Na segunda-feira, Khamenei aproveitou a mensagem anual que divulga na ocasião do Hajj para criticar os sauditas, acusando-os de não ter dado atendimento aos feridos no tumulto do ano passado.

"Os sauditas indiferentes e assassinos trancaram os feridos juntamente com os mortos em contêineres, em vez de lhes prestar atendimento médico e ajudá-los, ou, no mínimo, matar sua sede", disse Khamenei em declarações publicadas em seu site na internet. "Eles os assassinaram."

As autoridades sauditas disseram que o tumulto aconteceu quando dois grupos de peregrinos se encontraram frente a frente numa rua estreita. Mas o governo nunca divulgou as conclusões de uma investigação prometida pela liderança saudita sobre as razões da tragédia.

Descrevendo os líderes sauditas como "Satãs fracotes" que têm rabo preso com os Estados Unidos, Khamenei também disse que a Arábia Saudita "reduziu a peregrinação a uma viagem de turismo religioso", lançando um chamado por uma mudança na administração dos locais sagrados em Meca e Medina.

"Devido ao comportamento opressor desses governantes em relação aos hóspedes de Deus, o mundo do islã precisa reconsiderar fundamentalmente a administração dos dois locais sagrados e a questão do Hajj", disse Khamenei.

A Arábia Saudita reagiu na terça-feira com uma declaração do clérigo de mais alto escalão do reino, o grão múfti xeque Abdulaziz al Sheikh, líder de um conselho de estudiosos muçulmanos que assessora o rei. Abdulaziz disse que não é surpreendente que o Irã ataque a Arábia Saudita durante a temporada do Hajj.

"Precisamos entender que eles não são muçulmanos", ele falou em declarações publicadas no jornal saudita "Mecca". Ele aludiu aos iranianos como "filhos de Majus", usando um termo que se refere aos seguidores do zoroastrianismo e que é usado frequentemente em sentido pejorativo para aludir a iranianos. "Sua hostilidade em relação aos muçulmanos vem de longe."

Tradução de CLARA ALLAIN


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