Folha de S. Paulo


Símbolo argentino, produção de mate é alvo de acusação de trabalho infantil

Ainda é noite quando o caminhão recolhe os trabalhadores -muitos, menores de idade- que passarão o dia no campo colhendo erva-mate.

São duas opções: viajar por até duas horas até a plantação todas as manhãs, saindo às 5h, ou morar no sítio, em barracas de lona preta, sem banheiro, luz ou água limpa.

ONG Un Sueño para Misiones - 2014/ Divulgação
Menino de quatro anos colhe folhas de mate na Argentina
Menino de quatro anos colhe folhas de mate na Argentina

Assim é a vida dos "tareferos" (os que trabalha na colheita da erva-mate) que moram sobretudo em Misiones, província argentina encravada entre o Brasil e o Paraguai.

Símbolo da Argentina, o mate entrou na mira de ONGs por sua produção envolver crianças e adolescentes em condições precárias.

Antenor Alvez, 47, começou tarde na "tarefa", aos 17. Seus quatro filhos, porém, já o ajudavam aos 11. Sem terem com quem deixar as crianças e com a possibilidade de contar com mais mãos no trabalho, os "tareferos" levam seus filhos ao campo.

O trabalho é pago conforme a produção: 500 pesos (R$ 110) por tonelada, sendo necessários até três dias para uma pessoa juntar o volume.

Com chuva, não se pode colher, reduzindo a média de dias trabalhados para 15 ao mês. A colheita vai de abril a setembro, e no resto do ano os "tareferos" ficam sem atividade —e sem pagamento.

"Crianças de oito anos já são importantes para as famílias, pois podem ajudar", diz o reitor da Universidade de Misiones, Javier Gortari, economista com estudos na área.

Não há levantamento de quantos menores há no campo. Uma pesquisa de 2012 da universidade, entretanto, indicou que 50% dos "tareferos" de Misiones começam a trabalhar entre 5 e os 14 anos. A idade média de início é 13.

Estima-se que a província, responsável por produzir 80% da erva do país, tenha 15 mil "tareferos".

Segundo Alvez, que dirige um sindicato, parte do trabalhadores chega de ônibus ao campo, mas muitos ainda vão na carroceria de caminhão.

A fiscalização no transporte só começou a ser feita há três anos, após oito pessoas (incluindo três irmãos de 13, 14 e 17 anos) morrerem em um acidente de caminhão.

A situação das crianças também ganhou destaque neste ano após uma de dois anos se perder no mato. Ele foi achado dois dias depois em uma região próxima ao acampamento de seus pais.
Alvez conta que é também costume levar bebês para o trabalho. "Meus filhos cresceram embaixo do mate. Com três meses já iam conosco."

Com o episódio, em julho, a ONG Un Sueño para Misiones ganhou voz. Sua presidente, Patricia Ocampo, defende um projeto de lei para dar selo a empresas que comprovem a inexistência de trabalho infantil na produção do mate. "A ideia é que universidades certificassem", diz.

RECURSOS

A deputada Patricia Giménez (da UCR, partido de base do presidente Mauricio Macri) abraçou o projeto. Indagada se a atual lei que veta o trabalho infantil não seria suficiente para evitar que crianças fossem à "tarefa", a parlamentar diz que não há gente suficiente para fiscalizar.

"Queremos fomentar as empresas que não têm trabalho infantil. Com o selo, elas poderiam cobrar mais."

O empresário seria responsável por pedir que as universidades checassem a propriedade. O reitor da Universidade de Misiones, porém, diz que não teria pessoal para isso. "Quem tem que controlar é o Ministério do Trabalho."

Procurada, a pasta informou que reforçou a fiscalização nas províncias e que tem feito parcerias com indústrias para evitar trabalho informal.

O Instituto Nacional de Erva-Mate diz repudiar empresas que usem mão de obra infantil e que, desde 2015, o trabalho irregular praticamente desapareceu.


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