Folha de S. Paulo


Alarmes falsos de tiroteios nos EUA mostram um país que teme o pior

Bob Riha/Reuters
Delayed passengers inside Terminal 7 at the Los Angeles International Airport line up to go through TSA security check following a false alarm event in Los Angeles, California, U.S. August 28, 2016. REUTERS/Bob Riha Jr ORG XMIT: LAX009R
Policial no Terminal 7 do aeroporto international de Los Angeles

"Parecia um estouro de boiada", disse Donna Melanson –30 a 40 pessoas fugindo, apavoradas, correndo pelo Aeroporto Internacional de Los Angeles na noite de domingo (28). "Todo o mundo gritava 'atirador, atirador, atirador!'. As pessoas começaram a se esconder embaixo de bancos."

Melanson, que é instrutora de ioga e tem 53 anos, aguardava seu voo para Miami. Ela agarrou sua bolsa e se juntou ao "estouro da boiada". "Não consegui imaginar por que as pessoas estariam correndo se não houvesse uma emergência de verdade."

Mas não havia. Um barulho alto que alguém confundiu com disparos levou a rumores que se espalharam em alta velocidade de boca a boca e pelas redes sociais, desencadeando um pânico que levou ao fechamento de um dos aeroportos mais movimentados dos Estados Unidos, com passageiros fugindo dos terminais e rompendo cordões de isolamento, enquanto a polícia se esforçava para descobrir o que estava ocorrendo e restaurar a ordem.

Longe de ser um incidente isolado, essencialmente a mesma coisa aconteceu em 13 de agosto em um shopping center em Raleigh, Carolina do Norte; em 14 de agosto no Aeroporto Internacional JFK, em Nova York, em 20 de agosto num shopping no Michigan e em 25 de agosto num shopping em Orlando, Flórida.

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Na esteira dos ataques terroristas em aeroportos de Bruxelas e Istambul –e dos ataques contra outros alvos em Paris, San Bernardino (Califórnia), Orlando, Nice (França) e outros lugares–, os americanos, sempre que ouvem gritos ou um som de explosão ou disparos, ou quando veem uma multidão sair correndo, agora pensam em massacres e atiradores.

No entanto, as estatísticas da criminalidade mostram que a violência total no país está no nível mais baixo que já esteve, e, segundo especialistas, o medo supera de longe o risco real.

"Eu diria que estamos passando por um pânico moral", disse John Horgan, professor de estudos globais e psicologia na universidade Georgia State e especialista no estudo do terrorismo. "A percepção de ameaça constante de sermos vulneráveis à violência de massa permeou nosso consciente coletivo."

O documentarista Sam Macon, 36, que estava no aeroporto de Los Angeles no domingo, comentou: "As pessoas que estavam correndo não tinham a mínima ideia do porquê de o estarem fazendo. Acho que não é preciso um cientista social para entender que a sociedade americana está bastante tensa no momento."

Os alarmes falsos recentes e o pânico que desencadearam deixaram dezenas de feridos, alguns em estado grave. Kokila Patel, 66, e seu marido Manu, 74, tinham acabado de almoçar num restaurante Panera no shopping center Crabtree Valley, em Raleigh, em 13 de agosto, quando Kokila ouviu um barulho e viu pessoas em pânico correndo em sua direção.

Eamon Queeney/The New York Times
Kokila Patel, whose femur was accidentally broken by a crowd of panicked mall shoppers who thought they heard gunshots, with her husband, Manu, in Raleigh, N.C., Aug. 29, 2016. In the wake of recent terrorist attacks, Americans are primed to think in terms of mass killings and active shooters. Yet crime statistics show that overall, violence in the U.S. is as low as it has ever been. (Eamon Queeney/The New York Times) - XNYT119
Kokila Patel, cujo fêmur foi quebrado após clientes correrem em pânico devido a rumores de tiros

As pessoas tinham interpretado ruídos não explicados como sendo sons de disparos. Começaram a gritar, tentar esconder-se em lojas e sair em correria caótica para as saídas do shopping, sem prestar atenção ao que estava em seu caminho –incluindo os Patel.

A multidão derrubou Kokila e Manu e pisoteou Kokila. Ela sofreu fratura do fêmur direito e teve que esperar por duas horas, sofrendo dores lancinantes, até que policiais usando equipamentos táticos chegassem e ajudassem a carregá-la para fora do shopping. No hospital, sua perna despedaçada foi reforçada com pinos de aço, mas a dor ainda é intensa.

Kokila geralmente passa três meses por ano na Índia com seu marido, mas agora está sem poder sair de casa. "As pessoas sempre pensam 'é um atirador!'", disse Kokila, entrevistada com seu marido pelo "The News and Observer". "A mentalidade das pessoas está mudando. Elas vivem com medo."

Manu Patel contou que podia ver o pavor no rosto das pessoas que passaram por cima dele e de sua mulher. "Elas pensavam que alguém estivesse vindo para matá-las. Estamos psicologicamente traumatizados."

Especialistas dizem que, quando as pessoas começam a fugir, é normal que outras sigam seu exemplo, mesmo que essas outras não tenham ouvido sons estranhos ou ouvido rumores de terrorismo. Mas os estudiosos da psicologia de multidões e do medo do terrorismo dizem que o fluxo constante de notícias sobre violência intensificou a ansiedade das pessoas de maneira desproporcional à ameaça real, aumentando as chances de pânico.

"Essa superexposição pode provocar medo intensificado, ansiedade e sentimentos de impotência, especialmente em populações que já estão psicologicamente vulneráveis", disse Daniel Antonius, professor assistente de psiquiatria na Universidade de Buffalo. Ele descreveu uma "ansiedade nacional" em relação a massacres, algo que não reflete o nível real de perigo.

John Horgan destacou que, além da violência física, "o terrorismo é fundamentalmente uma forma de guerra psicológica. Uma das maiores ironias é que nós ajudamos a reforçar o terrorismo, com nossas reações a ele."

Tradução de CLARA ALLAIN


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