Folha de S. Paulo


Prevenção contra terremotos é desafio para a Itália

Apesar de especialistas assegurarem que não se pode prever terremotos, engenheiros e geólogos consideram que os riscos de deslizamento de terra nos centros históricos da Itália podem ser reduzidos com técnicas complexas e até mais baratas em comparação com a reconstrução.

A morte de quase 300 pessoas sepultadas sob os escombros do terremoto que devastou na quarta-feira (24) várias aldeias do centro da Itália colocou em debate novamente a incapacidade das autoridades de fomentar a cultura da prevenção.

Edifícios históricos, tanto medievais quanto do Renascimento, foram arrasados pelo terremoto, que afetou, no total 293 monumentos e construções de valor artístico, segundo o primeiro balanço realizado pelo Ministério da Cultura.

Na região do epicentro, cerca de 150 km a nordeste de Roma, igrejas, palácios, fontes e esculturas construídas entre os séculos 13 e 14 ficaram deteriorados, alguns gravemente.

Do centro histórico de Amatrice, onde 230 corpos foram retirados dos escombros, não resta quase nada.

Esta pequena cidade, declarada em 2015 pelo Ministério da Cultura entre os "povoados mais belos da Itália", em um país que conta com milhares de aldeias de inestimável beleza, tornou-se um emblema da tragédia.

"É uma história que se repete há quatro séculos. Depois dos terremotos, mudam as leis, mas, depois, elas não são aplicadas", publicou o jornal "La Stampa", que cita leis e códigos.

Em 1627, depois da morte de 5.000 pessoas em Gargano, no sul da Itália, foi obrigada a adoção de técnicas de construção mais sólidas e mais elásticas.

Em 1858, o governo pontífice impôs que as muralhas fossem reforçadas em todas as cidades da região de Lácio, uma ordem do papa Pio 9º, que, ao que parece não foi cumprida.

"Se partirmos da ideia de transformar edifícios antigos em construções seguras, como as modernas, com critérios antissísmicos, temos que nos resignar. Não conseguiremos", diz Paolo Bazzurro, professor de técnicas da construção da Universida de Pavia (norte).

"O melhor resultado seria garantir que não caiam com os terremotos", comenta o especialista no jornal "La Stampa".

O problema é que os edifícios antigos, que, inclusive, resistiram a outros tremores ao longo dos séculos, foram transformados e modernizados por seus habitantes.

Em alguns, foram trocados os tetos de madeira, janelas foram ampliadas, hastes de metal foram suprimidas, foram criados serviços, montaram elevadores. A maioria destas mudanças foi realizada de forma ilegal e sem o acompanhamento de um especialista.

"O resultado é um edifício vulnerável", disse Bazzurro.

É POSSÌVEL, MAS CARO

Ao contrário do que muitos acreditam, existem técnicas para que monumentos, palácios e simples edifícios históricos sejam seguros.

Arqueólogos e geólogos italianos estão entre os maiores especialistas do mundo nestes temas.

"Tecnicamente, é possível, e não se tratam de intervenções excepcionais", explica Paolo Iannelli, um especialista do Ministério da Cultura.

Usando a capacidade e os conhecimentos das populações das zonas sísmicas, as quais adquiriram ao longo dos séculos uma mão de obra qualificada, que trabalha com os materiais adequados, "teria-se que eliminar as mudanças inadequadas e redistribuir o peso", disse.

Além da intervenção em edifícios históricos, também há muitas soluções para casas e edifícios construídos antes da entrada em vigor das normas antissísmicas, em 1970, como o isolamento da base da terra e a instalação de amortecedores para reduzir o impacto do terremoto, segundo os técnicos entrevistados pela imprensa italiana.

O problema é o custo desta operação.

"Custaria cerca de € 360 bilhões", adiantou o ministro dos Transportes, Graziano Delrio, um número que é menor do que a reconstrução.

O governo italiano anunciou após o terremoto um plano de prevenção denominado "Casa Itália", com o objetivo de realizar um mapa da situação, revisar e aplicar normas existentes, mas que, pela burocracia e má administração, resulta em "letra morta".

Existe a preocupação de que mais de 20 milhões de italianos, 40% da população, reside em 4,7 milhões de casas ou edifícios de alto risco sísmico, segundo dados do jornal "La Repubblica".


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