Folha de S. Paulo


Corte francesa suspende proibição do burquíni em cidade na Riviera

O Conselho de Estado, a mais alta instância jurídica administrativa da França, suspendeu nesta sexta-feira (26) a proibição do burquíni na cidade de Villeneuve-Loubet, na Riviera.

A decisão pode estabelecer um precedente legal para suspender proibições similares instituídas em cerca de 30 cidades do país, entre elas Cannes e Nice.

A decisão da corte é provisória e depende de um julgamento definitivo. No sistema legal francês, uma decisão temporária pode ser proferida enquanto o colegiado analisa o caso com mais tempo para então julgá-lo em definitivo.

Vantagenews.com/theguardian
Políciais confrontam uma mulher em Nice nesta terça-feira e falam sobre a proibição de burquíni nas praias francesas
Policiais abordam mulher em Nice devido ao banimento do burquíni nas praias francesas

Municípios proibiram recentemente o uso do burquíni, traje que une em seu nome o biquíni e a burca. A veste, porém, não esconde a face da mulher e é hoje associada, na França, ao islã radical e à submissão da mulher.

O Conselho de Estado afirmou que o decreto que proibiu o burquíni em Villeneuve-Loubet "feriu, seriamente e claramente de forma ilegal, as liberdades fundamentais de ir e vir, a liberdade de crença e a liberdade individual".

"Na ausência de risco, a emoção e os temores provocados pelos atentados terroristas (...) não bastam para justificar legalmente a proibição" do burquíni decidida em Villeneuve-Loubet, a primeira localidade onde a medida foi implantada, ressaltou o Conselho de Estado.

Duas organizações humanitárias, a Liga de Direitos Humanos e o Comitê Contra a Islamofobia na França, haviam entrado com ações questionando a decisão de 22 de agosto de uma corte de Nice, que validava o veto municipal de Villeneuve-Loubet ao traje muçulmano.

O prefeito da cidade de Sisco, na Córsega, porém, afirmou que não suspenderá a proibição que impôs no dia 13 de agosto após uma briga na praia. "A tensão está muito, muito, muito alta aqui, e eu não vou recuar", disse Ange-Pierre Vivoni ao canal BFM-TV.

Assim como Vivoni, diversos prefeitos de cidades francesas disseram à agência de notícias AFP nesta sexta que manterão a proibição do burquíni. A prefeitura de Nice divulgou que "continuará multando" as mulheres que usem o traje enquanto o decreto municipal não seja invalidado.

O prefeito de Villeneuve-Loubet, Lionnel Luca, disse que a decisão aumentaria a tensão já grande.

"Precisamos decidir se queremos uma versão sorridente e amigável da sharia [lei islâmica] nas nossas praias ou se queremos a implementação das leis [francesas]", disse.

Após a decisão, a direita e a extrema-direita anunciaram sua intenção de votar uma lei que proíba definitivamente o burquíni.

PRECEDENTE LEGAL

O advogado da liga, Patrice Spinose, afirmou à imprensa que a decisão pode estabelecer um precedente legal para todo o país. "Hoje todas as portarias devem estar de acordo com a decisão do Conselho de Estado. Logicamente os prefeitos devem retirar essas portarias [que proíbem o burquíni]. Caso contrário, medidas legais podem ser tomadas [contra essas cidades]."

Spinose disse ainda que mulheres que já receberam multas relacionadas ao uso do burquíni podem recorrer da cobrança com base na decisão desta sexta.

Em Cannes, onde o veto temporário foi instituído em 28 de julho, a multa é de 38 euros (R$ 140) e limitada a uma autuação por dia. Mulheres de burquíni não podem ser retiradas da praia.

Fethi Belaid/AFP
A Tunisian woman wearing a
Mulher tunisiana vai à praia nas proximidades de Tunis usando o polêmico burquíni, este mês

TENSÃO SOCIAL

A tensão social em torno do burquíni coincide com debates sobre o islã na França e como integrar a população muçulmana, imigrante ou nativa, à sociedade do país, após uma série de atentados ao longo dos últimos meses deixar mais de 200 mortos.

O governo do presidente François Hollande tem apoiado as decisões dos prefeitos, argumentando que o burquíni viola as leis e o secularismo. Após a decisão, o premiê, Manuel Valls, disse que a denúncia do burquíni "não coloca em questão a liberdade individual".

"O burquíni não é um símbolo religioso, é a afirmação do islã político em locais públicos", disse nesta sexta (26).

Já o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, afirmou esta semana que o banimento do traje não pode levar a uma estigmatização nem fazer com que exista um choque entre comunidades do país.

O ex-presidente francês Nicolas Sarkozy disse que o burquíni é uma "provocação" e que se uso expressa apoio ao islã radical. Uma das figuras mais importantes da oposição, Sarkozy anunciou nesta semana que vai concorrer à Presidência outra vez. Antes, no entanto, precisa vencer as eleições primárias dentro de seu partido, Os Republicanos, de centro-direita.

Caso seja eleito, Sarkozy prometeu banir todo símbolo religioso nas universidades francesas. A expectativa é que a plataforma de sua campanha seja baseada em imigração e questões que envolvem segurança.


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