Folha de S. Paulo


Criadora do burquíni defende traje como forma de integrar muçulmanas

No século 19, europeus entravam no mar saindo de casinhas ambulantes de madeira, evitando assim os olhares indiscretos. Na década de 1940, o biquíni levou conservadores a ruborescer.

Em 2016, o escândalo na França são mulheres cobrindo-se demais. Municípios costeiros, como Cannes e Nice, proibiram recentemente o uso do burquíni, traje que cobre todo o corpo, menos o rosto.

Essa vestimenta é hoje associada, na França, ao islã radical e à submissão da mulher. Sua criadora, uma australiana de origem libanesa, discorda. À Folha Aheda Zanetti, 48, diz que esse veto é uma maneira de segregar.

"Eles não vão conseguir nos impedir de nos vestir ou de nos desvestir", diz. "Nós, mulheres muçulmanas, vamos fazer o que quisermos."

Fethi Belaid/AFP
A Tunisian woman wearing a
Mulher tunisiana vai à praia nas proximidades de Tunis usando o polêmico burquíni, este mês

De bom humor, mas cansada da controvérsia, ela diz que as notícias recentes ajudaram suas vendas. A maré de pedidos vindos da França, segundo Zanetti, subiu cerca de 40% nos últimos dois meses. "Os políticos foram ótimos comigo, eu deveria agradecê-los!"

O preço de um burquíni varia entre R$ 210 e R$ 420, de acordo com o modelo, incluindo versões mais justas.

Sem dar muitos detalhes, ela afirma que tem planos de visitar as praias francesas na quarta-feira (24) para explicar à população local o que, afinal, é o burquíni que criou.

O burquíni une em seu nome o biquíni e a burca, veste com a qual muçulmanas conservadoras cobrem o corpo e o rosto, a depender de sua interpretação do islã. O burquíni, porém, não esconde a face da mulher.

Zanetti abriu sua primeira loja de burquínis em 2005. O objetivo, diz, era permitir que mulheres muçulmanas se integrassem à cultura local e pudessem ir a praias sem que se sentissem desconfortáveis.

O invento, no entanto, tornou-se recentemente símbolo da tensão entre a França e sua população muçulmana. O premiê Manuel Valls afirmou, por exemplo, que o burquíni não se encaixa no secularismo e na República.

TERRORISMO

Parte do incômodo está relacionado aos recentes atentados ao país. Em julho, um ataque deixou 86 mortos em Nice. A ação foi reivindicada pela milícia terrorista Estado Islâmico, que a França combate no Oriente Médio.

"Querem julgar todo um grupo devido a um punhado de criminosos", diz Zanetti. "O Estado Islâmico não representa nenhum muçulmano que conheço. Nunca me perguntaram se podem matar em meu nome."

Casada com um grego, a australiana, que nasceu no Líbano e mudou-se aos dois anos de idade, enxerga interesses políticos no veto ao burquíni. Mas, assim como afirma conviver com sua irmã, que usa biquíni, espera que a sociedade francesa aceite quem prefere se cobrir mais para entrar no mar.

"Não acredito que nenhum político pode julgar o que uma mulher veste", diz.

A questão do véu, ou de quanto as mulheres muçulmanas devem ou não se cobrir, acompanha o discurso europeu há bastante tempo, com posições conflitantes.

Detratores insistem que vestimentas como a burca são instrumentos de dominação das mulheres. Por outro lado, mulheres como Zanetti se ressentem de quem tenta obrigá-las a não cobrir-se com seus véus.

"Eu não sou forçada a me vestir com modéstia. É minha escolha. Quero ser assim", diz. "Visto o biquíni embaixo do burquíni, então tenho o melhor dos dois mundos", ri.


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