Folha de S. Paulo


Prioridade de refugiados internos na Colômbia não é paz, mas saneamento

O som de um vallenato, gênero musical colombiano, ecoa alto no pequeno ônibus tipo lotação. Por meio de uma estrada de terra, ele nos leva a uma das comunas do município de Soacha, na região metropolitana de Bogotá, onde se concentra boa parte da população de "desplazados" (como os colombianos chamam os refugiados internos devido à violência).

São pessoas que deixaram suas casas e ranchos na região rural fugindo do conflito entre guerrilha, Exército e paramilitares. Buscam abrigo, mas também trabalho na capital colombiana.

Chegando a um bairro chamado Altos de la Florida, pode-se ter uma ideia da dimensão do problema. Uma infinidade de casinhas ocre recobre de forma irregular a região montanhosa, onde a temperatura é geralmente dois ou três graus abaixo da já fria Bogotá.

São casas informais, em sua grande maioria construídas sem supervisão técnica ou autorização legal, umas de tijolos, outras apenas de chapas de metal, com numeração pintada à mão nas portas, e latões do lado de fora para recolher os dejetos e o lixo da região –que não possui rede de esgotos e saneamento na maior parte do território.

Luis Acosta/AFP
A woman displaced by violence carries her child along a street during the visit of the UN High Commissioner for Refugees, Italian Filippo Grand to the Altos de la Florida neighborhood in Soacha, Cundinamarca department, Colombia on July 2, 2016. Grandi will visit internally displaced communities on his first trip to Colombia since taking office. / AFP PHOTO / Luis Acosta
Mulher deslocada devido ao conflito na Colômbia carrega criança em rua do bairro de Altos de la Florida

A Colômbia é um dos países onde há mais refugiados internos, junto ao Sudão e à Síria, segundo informações do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). São 6,9 milhões de pessoas, embora grupos de defesa dos direitos humanos defendam que essa cifra já tenha ultrapassado os 8 milhões.

As Nações Unidas contabilizam os últimos 30 anos, enquanto organizações locais preferem usar como marco o início do conflito entre o Estado e as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), há mais de 50 anos.

Ainda segundo o Acnur, 80% dos "desplazados" vivem na pobreza –desta fatia, 30% se encontram na extrema pobreza–, e a maioria dos deslocados está nas periferias das grandes cidades, como Bogotá, Medellín, Cali e Barranquilla.

O número dos refugiados internos corresponde, assim, a cerca de 14% da população, o que costuma jogar para baixo os índices sociais do país.

ESGOTO E TRANSPORTE

Enquanto o governo e as Farc negociam há quatro anos um acordo de paz, cujo anúncio está previsto para as próximas semanas, os "desplazados" que vivem na capital colombiana preferem falar de seus problemas mais imediatos. "Falta tudo aqui, desde legalizar propriedades a levar água e esgoto a todos", conta à Folha a líder comunitária Mercedes Hernández.

Editoria de arte/Folhapress
Onde Fica Colômbia

Para os moradores ouvidos pela reportagem, um dos grandes dramas é o transporte. "Eu entro às 8h no trabalho, na cidade. Para chegar lá nesse horário, tenho que acordar às 4h30", diz a garçonete Carolina Montaño.

Há várias razões que explicam esse alto número de "desplazados". Muitas vezes, é porque as casas dessas pessoas ficavam numa região de enfrentamentos entre Exército, guerrilha e paramilitares. Além de balas perdidas, tinham as casas invadidas e usadas como esconderijo ou para roubar bens e comida.

Em outros casos, é porque suas residências estavam em regiões exploradas pela guerrilha ou outros grupos criminosos como fonte de renda e extorsão: zonas de mineração, portos comerciais, regiões onde transitam caminhões com mercadorias.

"Um dia os guerrilheiros surgiram e começaram a dizer que para tudo o que plantávamos e levávamos para o mercado tínhamos que pagar impostos. Foi ficando mais grave quando começaram a recrutar crianças. Então disse ao meu marido que tínhamos que ir. Tinha medo de perder meu filho", diz Isabel Marín.

Para os habitantes de Bogotá, os "desplazados" são hoje a cara mais visível da guerra que continua no campo, longe de seus olhos.

Eles vivem nos bairros periféricos das montanhas, mas durante o dia são vistos pela cidade –fazem trabalhos informais ou em casas de família. Também se acumulam na entrada dos grandes mercados populares, no fim do dia, para buscar restos dispensados pelos vendedores.

E, não raro, fazem protestos, como o mais recente, quando ocuparam parte de Monserrate, região de reserva ambiental e ponto turístico.

Há alguns anos, o governo começou a registrar propriedades e a indenizar parte dos refugiados da guerra. Também começou a investir no saneamento local, mas, para as comunas de Soacha, essa ajuda ainda é insuficiente.

MEDALHISTAS

Nesta Olimpíada, o assunto dos "desplazados" voltou a ganhar relevo no noticiário, porque dois dos três colombianos que conquistaram medalhas de ouro até a noite de sexta (19) vieram de regiões afetadas.

O levantador de peso Óscar Figueroa nasceu no interior do departamento de Antioquia, região de enfrentamento entre paramilitares e guerrilheiros. Já a saltadora Caterine Ibarguen viu seus pais deixarem o local onde ela nasceu, também em Antioquia, em busca de trabalho, porque o conflito havia destruído a economia local.

Perguntados sobre o que gostariam de fazer caso a paz seja aprovada, os "desplazados" em geral dão duas respostas. Há os que querem permanecer perto de Bogotá, mas com melhorias.

"Bogotá é onde a economia se move, onde é possível trabalhar. Aqui só quem é vagabundo não acha trabalho", afirma Brian Soto, 19, que quer estudar na capital.

Entre os mais velhos, predomina a ideia de voltar para os ranchos abandonados. "Sinto saudades do meu quintal, dos meus bichos, de não ter de pedir esmola. Um camponês na cidade não serve para nada. É um homem triste", diz Don José Spina, 63.


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