Folha de S. Paulo


Pai de Trump inspirou o republicano nos negócios e na política

A multidão de nova-iorquinos que lotava Coney Island numa tarde quente de domingo em julho de 1939 –passando por brinquedos de parque de diversões, carrinhos de cachorro-quente e "freak shows" diversos– se defrontou com um último espetáculo, este ancorado a pouca distância da praia.

Com 20 metros de comprimento e enfeitado com enormes cartazes de Trump, o iate chamado Trump Show Boat dificilmente passaria despercebido. E era justamente esse o objetivo.

Dennis Caruso/NY Daily News Archive, via Getty Images
Donald Trump e seu pai, Fred, em frente à pista de patinação no gelo no Central Park em 1987
Donald Trump e seu pai, Fred, em frente à pista de patinação no gelo no Central Park em 1987

De seus alto-falantes saíam alternadamente o hino nacional dos Estados Unidos e a canção patriótica "God Bless America", repetidas constantemente, obrigando muitas pessoas que tomavam banho de sol mas que não queriam ser vistas como pouco patrióticas a se levantar a cada vez e fazer uma saudação.

Balões no formato de peixes-espada eram atirados em direção à praia; cada um deles podia ser trocado por um vale de US$ 25 ou US$ 250 a ser usado na compra de uma nova Casa Trump. Os banhistas quase criaram um tumulto, correndo para recuperar os balões.

Fred C. Trump, o dono do iate e empresário que construía imóveis residenciais de boa qualidade no Brooklyn e no Queens, frequentemente é contrastado com seu filho Donald, o espalhafatoso empresário que ergueu edifícios de luxo em Manhattan e tornou-se presença constante nos tabloides, uma personalidade televisiva e, agora, o candidato republicano à Casa Branca.

O DONALD DE SUA ÉPOCA

Mas Donald Trump herdou de seu pai não apenas um império imobiliário. Como vendedor, concorrente, cortejador de políticos e polêmicas e, sobretudo, como empresário que sabia se promover, Fred Trump foi o Donald Trump de sua época.

Para demonstrar a potenciais compradores a inutilidade de viver em imóvel alugado, Fred cobriu as paredes de uma casa-modelo com recibos de aluguel. Nos anúncios de jornal de seus apartamentos no Brooklyn, ele se descrevia, sob uma ilustração da Estátua da Liberdade, como "Fred C. Trump, atuando como individualista livre e forte que satisfaz a necessidade fundamental do abrigo".

Décadas antes de seu filho dar o nome da família a seu primeiro edifício, Fred Trump batizou uma mercearia em Woodhaven de "Trump Market" e seu complexo residencial em Coney Island de "Trump Village".

"Ele era bom vendedor", disse Donald Trump em entrevista recente dada em seu escritório no edifício Trump Tower. "Ele tinha alguns anúncios lindos. Não esqueça que os anúncios eram nossa internet."

Os amigos de infância de Donald Trump dizem que enxergam nele a intensidade de seu pai, mas também uma necessidade constante e nítida de agradar e impressionar o patriarca que governava sua família com mão firme.

Mesmo hoje Donald dá a impressão de buscar a aprovação de seu pai. Uma foto emoldurada de Fred Trump o encara em sua mesa de trabalho.

Perguntado sobre o que seu pai, que morreu em 1999, teria pensado de sua candidatura presidencial, Trump, 70, disse: "Ele me teria deixado fazer, com certeza".

ENTREGADOR DE CARNES

Nascido em 1905, filho de imigrantes alemães que falavam principalmente alemão em casa, aos 10 anos de idade, Fred Trump já trabalhava como entregador de carnes de um açougue.

Enquanto estudava na escola secundária Richmond Hill, trabalhava em empregos de meio-período e pedia a seu irmão mais jovem e mais intelectual, John, que mais tarde lecionaria no MIT (Massachusetts Institute of Technology), que lhe preparasse resumos das leituras pedidas no colégio.

A filha de John Trump, Karen Ingraham, explicou: "Meu pai gostava de ler livros. Tio Fred era mais o tipo de pessoa que punha as mãos na massa."

Antes de Fred completar 21 anos, ele e sua mãe, Elizabeth, fundaram a construtora E. Trump e Filhos, assim chamada porque apenas Elizabeth tinha idade suficiente para assinar cheques. O negócio decolou bem.

Aos 28 anos, Fred começou a cuidar das hipotecas de um banco alemão com problemas, e em 1938 já se gabava nos jornais das "multidões de pessoas que visitavam" as obras que estava construindo no Brooklyn.

Naquele ano, o "The Brooklyn Daily Eagle" o descreveu como o primeiro construtor importante de Long Island, e, mais tarde, como "o Henry Ford da construção de imóveis residenciais". Seu ego cresceu proporcionalmente.

Na década de 1930, logo que o presidente Franklin D. Roosevelt criou a Federal Housing Administration (FHA - Administração Habitacional Federal), Fred Trump a procurou para fazer uso de seus financiamentos subsidiados.

Ele disse na época: "Com o plano de financiamento em 25 anos pela FHA, a classe trabalhadora tomou plena consciência dos benefícios da casa própria".

Para realmente chamar a atenção dos potenciais compradores, ele divulgava preços como US$ 3.999,99. Donald Trump conta que seu pai lhe ensinou: "Um centavo a mais, e as pessoas não compram".

INTIMAÇÃO

O Departamento de Parques não gostou das promoções que Fred fazia com seu Trump Show Boat e o intimou por fazer publicidade sem licença.

Mas Jeanette G. Brill, a primeira magistrada mulher do Brooklyn, lhe aplicou uma multa de apenas US$ 2. Fred fez questão de dizer ao "Eagle" que "as juízas mulheres são muito mais abertas à causa habitacional da FHA e apreciam mais as ideias publicitárias inovadoras e a boa música que os juízes homens".

Quando a guerra começou, Fred Trump se mudou com sua família –sua mulher, Mary Ann, e três filhos, Freddy, Maryanne e Elizabeth– para a Virgínia, onde construiu mais de mil apartamentos para a Marinha.

Pouco depois, retornou a Nova York e teve mais dois filhos, Donald e Robert.

Fred tratava seus parentes como sócios comerciais. Nas manhãs de domingo ele deixava todos seus filhos na casa de sua irmã, Elizabeth, e pedia a seu cunhado, que trabalhava seis dias por semana, para fazer sua contabilidade.

Para evitar Fred, a família começou a ir à igreja mais cedo, contou um filho de sua irmã, John Walter, que foi quem acabou cuidando da contabilidade de seu tio.

Fred era igualmente exigente em sua própria casa. Seu filho mais velho, Freddy, não aguentou a pressão, mas, para Donald, isso era um incentivo.

Donald Trump disse que aprendeu os valores de seu pai e seu senso de competitividade aguda, acompanhando-o às obras em construção e vendo-o arrancar o máximo possível de cada dólar gasto.

"Meu pai ia lá e pegava o serralho, ele pegava os pregos que tinham sobrado, pegava os restos de material. Ele usava tudo, quando possível, reciclava de alguma maneira ou vendia", comentou Donald Trump na quinta-feira (11) em discurso diante da Associação Nacional de Construtores de Imóveis Residenciais.

Na década de 1970, Donald, que tinha acabado de assumir os negócios de seu pai, contestaria um processo judicial por discriminação habitacional movido pelo Departamento de Justiça, mas acabaria por concordar em modificar suas práticas como locador.

POLÍTICOS

Anos antes de ficar conhecido por distribuir dinheiro em campanhas eleitorais, independentemente da filiação partidária dos candidatos, ele viu seu pai cortejar Abraham D. Beame, que se tornaria prefeito, e outras figuras poderosas do Clube Democrático Madison, do Brooklyn.

"Para poder construir é preciso conseguir zoneamento, e para conseguir zoneamento era preciso conhecer os políticos", disse Trump. "E meu pai procurou conhecer os políticos."

Parentes e amigos de Fred Trump contam que, em sua última década de vida, os estágios iniciais da doença de Alzheimer o obrigaram a fazer menos. Ele morreu aos 93 anos, já com dificuldade de reconhecer as pessoas.

Donald Trump disse que não tem medo de que a doença possa ser a última coisa que ele herde de seu pai. "Se eu aceito? Sim", ele disse. "Veja bem, sou fatalista."

No velório de Fred Trump, na casa funerária Frank E. Campbell, seu filho subiu ao pódio para dirigir-se aos políticos, empresários imobiliários e pessoas da sociedade presentes. Um dos presentes se recorda da ode nada ortodoxa que Trump fez a seu pai. Donald Trump confirmou o relato.

"Meu pai me ensinou tudo o que sei. E ele entenderia o que vou dizer agora", Trump anunciou aos presentes. "Estou construindo um edifício fantástico no Riverside Boulevard chamado Trump Place. É um projeto maravilhoso."

Tradução de CLARA ALLAIN


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