Folha de S. Paulo


Violência urbana na América Central quintuplica pedidos de refúgio

Jorge Luis Plata/Reuters
Central American migrants stand atop wagons while waiting for the freight train
Migrantes da América Central esperam um trem levá-los ao norte do México, de onde seguirão aos EUA

No intervalo de três anos, o número de refugiados e pessoas que aguardam a concessão do refúgio nacionais de Honduras, Guatemala e El Salvador quintuplicou, chegando a 109,7 mil em 2015, segundo o Acnur (braço das Nações Unidas para refugiados).

Homens, mulheres e crianças vêm sendo empurrados para fora de seus países —que formam o chamado triângulo norte da América Central, uma das regiões mais violentas do mundo— após experiências repetidas de ameaça por gangues, mortes cotidianas, extorsão, corrupção, estupros e tráfico de drogas.

Honduras, El Salvador e Guatemala estão no topo da lista dos países com as maiores taxas de homicídio.

Quem foge desses países tem ido preferencialmente para México e Estados Unidos. Outros destinos comuns são Canadá, Belize, Nicarágua, Costa Rica e Panamá.

"Em 2009, fui sequestrado num táxi que trabalhava. Disseram que iam me matar. Alguém avisou a polícia e me resgataram", contou à Folha um hondurenho de 46 anos, que, por razões de segurança, não quis se identificar.

Este ano, outra experiência aguda de violência: gangues tentaram recrutar o filho mais velho, de 15 anos, para o crime. "Mandaram mensagens de ameaça, mandaram meninos dizer que, se não aceitasse, iam matá-lo."

A família, então, fez a dura travessia, pela Guatemala, e chegou ao México em fevereiro. "Graças a Deus sobrevivemos e estamos aqui, esperando para ver se Deus nos permite algo maior", diz.

Apesar do crescimento acentuado dos pedidos de refúgio dos três países, o número é pequeno se comparado ao fluxo migratório originário na Síria, em guerra civil há mais de cinco anos. Segundo o Acnur, há cerca de 5 milhões sírios refugiados.

O problema da violência urbana na América Central, porém, parece ser maior do que indicam os dados, aponta Francesca Fontanini, porta-voz do Acnur para as Américas. Isso porque, diz, muitos dos que cruzam as fronteiras não chegam a fazer o pedido de refúgio, por falta de acesso ou de informação.

"No último mês, o abrigo em Tenosique [no México, perto da fronteira com a Guatemala] estava recendo de 200 a 300 pessoas de Honduras por dia. Mas poucos pediram asilo, pois não há capacidade", relata Fontanini.

A série histórica de refugiados da região mostra uma queda entre 2009 e 2012, seguida do aumento até 2015.

Segundo Fontanini, o movimento se explica pela persistência dos altos níveis de violência, com mais acesso ao refúgio e melhoria no acompanhamento do fluxo.

Número de refugiados e pessoas em busca refúgio - Acumulado ao final do ano

Taxa de homicídios

PROBLEMA

A migração da América Central para os vizinhos mais ricos do norte não é nova. Hoje, no entanto, é possível identificar um deslocamento forçado paralelo ao econômico, disse Filippo Grandi, alto comissário das Nações Unidas para refugiados, no início de julho, durante a primeira reunião de alto nível sobre o tema organizada pelo Acnur e a OEA (Organização dos Estados Americanos).

"A migração devido a pobreza e exclusão social coexiste com um fenômeno crescente de deslocamento forçado gerado principalmente pela violência do crime organizado", disse em julho. "São relativamente novas formas de deslocamento que requerem respostas inovadoras."

Entre as conclusões do encontro estão a necessidade de uma resposta regional para o problema e mais acesso para a recepção dos migrantes e o processamento do refúgio.

Em relatório divulgado no fim de julho, a organização International Crisis Group (que atua na prevenção de conflitos) sustenta que as deportações em massa, pelos EUA e México, de migrantes dos três países em questão foi ineficaz em parar o fluxo, e que o maior controle nas fronteiras apenas aumentou o custo e o risco de quem tenta a travessia por meio de traficantes.

Apesar de o México ampliado a recepção dos migrantes, diz o texto, há gargalos no processamento do refúgio, e o governo mexicano devolveu 166 mil migrantes da América Central, incluindo 30 mil menores de idade, apenas no ano fiscal de 2015.

Admitindo insuficiência na sua atual política, a administração do presidente Barack Obama anunciou no final de julho uma expansão do programa para acolher refugiados da América Central, favorecendo a reunião familiar. A proposta foi elogiada pelo Acnur.

RISCOS

Como em outras migrações pelo mundo, como no mar Mediterrâneo a caminho da Europa ou entre a fronteira da Coreia do Norte com a China, a travessia a partir de El Salvador, Honduras e Guatemala para locais menos violentos frequentemente envolve fazer percursos perigosos e lidar com traficantes.

Em determinados casos, o risco pode ser ainda maior.

"Várias mulheres do triângulo norte da América Central mencionaram ter tomado anticoncepcionais antes de viajar [a caminho dos Estados Unidos], para reduzir a possibilidade de engravidarem se fossem estupradas no caminho. Apesar de precauções, muitas mulheres relataram que coiotes abusaram delas no caminho sexual ou fisicamente", diz um trecho do estudo "Mulheres em Fuga", lançado pelo alto comissariado das Nações Unidas no final do ano passado.

O relatório aborda o risco específico para mulheres que fugiram dos três países em questão e do México. É baseado em entrevistas com 160 mulheres com idades entre 18 e 57 anos, conduzidas nos Estados Unidos —a maior parte em centros de detenção.

O relato das mulheres revela uma sequência de violência, desde a própria casa.

"Para muitas, o aumento da violência de grupos criminosos armados ocorreu em paralelo a repetidas violências físicas e sexuais em casa (...) Muitos dos parceiros que abusavam delas eram integrantes ou estavam associados a grupos criminosos armados, tornando ainda mais difícil conseguir proteção das autoridades", diz o texto.

Preocupação parecida ocorre em relação a crianças e adolescentes que fazem a travessia —mais de 21 mil menores desacompanhados dos três países foram apreendidos na chegada aos EUA no ano fiscal de 2013, diz o Acnur.

"A indústria do sexo na fronteira entre a Guatemala e o México é alimentada pelo fornecimento de migrantes, especialmente adolescentes, parte dos quais é mantida em escravidão por dívida com os traficantes", afirma o relatório do International Crisis Group divulgado no final de julho.


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