Folha de S. Paulo


Discurso positivo é arma do governo do México para conter Donald Trump

"É macabra a imagem de um milionário que, num estádio repleto, propõe construir um enorme muro na fronteira e pergunta quem deve pagar por ele. Porém, mais terrível que isso é a imagem de milhares de pessoas que gritam: 'México!'."

Assim responde à Folha a escritora Valeria Luiselli, mexicana convidada da última Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) e que mora no Harlem, em Nova York, sobre como se sente com a confirmação da candidatura de Donald Trump para as eleições norte-americanas.

Na esquina de sua casa, conta Luiselli, há um "deli" cujo nome é "Yo Aquí Me Quedo". Pertence a um imigrante de Acapulco que, no dia das primárias em Nova York, distribuía bottoms do pré-candidato democrata derrotado Bernie Sanders.

Segundo analistas ouvidos pela Folha, a confirmação da candidatura de Trump obrigará o governo de Enrique Peña Nieto a uma verdadeira tomada de partido a favor dos democratas. O México é o segundo sócio comercial dos EUA e o primeiro destino das exportações de vários Estados americanos, como a Califórnia, o Texas e o Arizona.

Aproximar o governo mexicano da campanha é também parte da estratégia democrata. Na última semana, Peña Nieto se reuniu com Barack Obama na Casa Branca e houve críticas ao candidato republicano.

Hoje vivem nos EUA 35 milhões de mexicanos, se forem contabilizados os filhos e netos dos imigrantes —o equivalente a 11% da população.

"O problema é que o governo mexicano demorou muito em dar uma resposta. Temo que agora seja tarde", diz o analista Alejandro Hope, do Wilson Center.

DISCURSO NOVO

Peña Nieto trocou recentemente de embaixador nos EUA e orientou a chancelaria a realizar ações de conscientização no país vizinho. Para analistas como Hope, a atitude ainda é tímida.

"É necessário que o México construa uma narrativa mais positiva para os EUA; não só para Trump, mas sim para milhares de americanos que acreditam nesse discurso de que mexicanos são estupradores ou narcotraficantes. Ou seja, que são a razão dos problemas dos EUA."

Uma das principais propostas de campanha de Trump é construir um muro na fronteira de mais de 3.000 km entre os dois países, endurecer as regras de imigração e promover deportações em massa de residentes mexicanos ilegais.

O discurso positivo, segundo Hope, deveria fundamentar-se nos benefícios da relação econômica bilateral.

As empresas mexicanas hoje empregam mais de 6 milhões de norte-americanos, e companhias importantes dos EUA, como Microsoft e Ford, construíram grandes unidades em território mexicano. Na região de Guanajuato, por exemplo, estão sedes de importantes montadoras de automóveis norte-americanas.

Até aqui, os políticos mexicanos haviam se expressado com foco mais voltado ao México. O personagem que mais havia se exaltado até aqui havia sido o ex-presidente Vicente Fox, que disse que não pagaria por esse "fucking wall" (maldito muro).

Depois, em entrevista a uma TV mexicana, Peña Nieto comparou Trump com Adolf Hitler. "Esse seu tom estridente nos faz lembrar dos riscos do populismo, dos que propõem soluções fáceis para problemas complicados. Houve episódios da história em que expressões dessa retórica estridente levaram a cenários fatídicos. Foi assim que chegaram Mussolini e Hitler ao poder."

As declarações de Peña Nieto vêm se limitando, porém, às fronteiras do país. "A campanha dos mexicanos contra Trump tem de ser em inglês e para os que vivem nos EUA", diz o analista Jorge Castañeda, que considera candidatar-se de modo independente nas eleições mexicanas de 2018.


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