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Brasil deveria promover inclusão de muçulmanos, diz professor de Oxford

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O pesquisador suíço Tariq Ramadan, professor de Estudos Islâmicos Contemporâneos de Oxford
O pesquisador suíço Tariq Ramadan, professor de Estudos Islâmicos Contemporâneos de Oxford

Professor de Estudos Islâmicos Contemporâneos na Universidade de Oxford, Tariq Ramadan, 53, defende que o Brasil deva imprimir um discurso inclusivo em relação aos muçulmanos.

Em meio a uma onda de ataques terroristas e a uma reação política de direita, ele acredita que o país deve ir contra a corrente representada pela ascensão de Donald Trump, nos EUA, e Marine Le Pen, na França, e oferecer uma alternativa pluralista e religiosa como forma de lutar contra o extremismo.

Mestre em filosofia e doutor em estudos árabes/islâmicos, Ramadan falou à Folha sobre como o Brasil pode contribuir para reduzir as hostilidades entre o Ocidente e o mundo muçulmano.

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Folha - A comunidade muçulmana no Brasil tem aumentado nos últimos anos. Como se pode impedir que a ameaça terrorista se traduza em aumento da hostilidade contra muçulmanos?

Tariq Ramadan - Primeiro, devemos entender que estamos todos implicados. O Estado não pode fazer tudo sozinho, assim como a sociedade civil e a comunidade muçulmana. A prioridade deve ser a criação de sinergias: o governo deve manter o discurso de abertura aos migrantes, apresentando-os como ativos que enriquecem o país e não como um peso ou uma ameaça.

O pequeno e médio empresariado deve estabelecer pontes entre as comunidades, explorando o potencial econômico do pluralismo cultural. Por fim, a comunidade muçulmana do país tem a responsabilidade de formular uma visão da religião muçulmana adaptada à realidade brasileira, promovendo a tolerância religiosa como exemplo.

Não há nada de utópico nessa visão, embora a ascensão de Donald Trump nos Estados Unidos e Marine Le Pen na França tenha tornado o discurso do medo dominante em certas sociedades. O Brasil deve ir contra a corrente e imprimir um discurso social e inclusivo, que leve em consideração todos os atores.

Por que o EI ameaçou o Brasil às vésperas da Olimpíada?

A lógica do EI é planejar ataques com o máximo de repercussão de modo a dar visibilidade aos seus atos criminosos. A ameaça aos grandes eventos, como a Olimpíada, segue essa lógica. Na França, a série de ataques recomeçou logo depois da Eurocopa, sugerindo que ataques estavam sendo preparados durante a competição, mas não foram executados devido ao aparato de segurança, que estava no seu auge.

Nas últimas semanas, houve indivíduos presos no Brasil sob suspeita de planejar ataques terroristas. Os casos de radicalização são muitas vezes imputados a uma interpretação fundamentalista dos textos religiosos. Existem outros fatores?

A interpretação fundamentalista da religião é, sem dúvida, um fator de radicalização, mas existem outros mais importantes. Na realidade, 90% dos indivíduos envolvidos em atentados não passaram mais de seis meses frequentando mesquitas ou lendo textos religiosos.

Dois fatores me parecem mais preponderantes. Primeiro, as questões de ordem social e cultural dos países visados pelos ataques. O discurso negativo contra os muçulmanos amplia o sentimento de rejeição social, cultural e religiosa da comunidade.

Segundo, questões de polícia externa: o papel dos países ocidentais na falência do Estado na Síria e no Iraque, o silêncio ensurdecedor do Ocidente na questão palestina, na crise do Iêmen.

O Brasil pode fazer algo além de adotar a posição dos países ocidentais que enfrentam a ameaça terrorista?

Se o Brasil seguir a via dos países europeus e em particular da Franca, será absolutamente contraproducente. Por um lado, o apoio a guerras no Oriente Médio têm como resultado uma escalada da violência.

Por outro, a imposição drástica de repressão do terrorismo não aumenta a segurança dos cidadãos dos países-alvo. Servem, no entanto, para legitimar novas técnicas de policiamento e restringir as liberdades.

Os muçulmanos esperam do Brasil uma abordagem que promova a democratização dos Estados do Oriente Médio e um equilíbrio nas trocas econômicas em conjunto com os seus aliados.

O Brasil não precisa de uma economia pujante para ter papel importante no Oriente Médio. A experiência pluralista e religiosa do Brasil é em si mesmo uma alternativa às soluções propostas pelos países ocidentais.

MATHIAS ALENCASTRO é doutor em ciência política na Universidade de Oxford e mestre em história na Universidade Sorbonne Paris-IV.


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