Folha de S. Paulo


Se Hillary vencer, um Bill Clinton ocioso na Casa Branca pode preocupar

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PHILADELPHIA, PA - JULY 26: Former US President Bill Clinton delivers remarks on the second day of the Democratic National Convention at the Wells Fargo Center, July 26, 2016 in Philadelphia, Pennsylvania. Democratic presidential candidate Hillary Clinton received the number of votes needed to secure the party's nomination. An estimated 50,000 people are expected in Philadelphia, including hundreds of protesters and members of the media. The four-day Democratic National Convention kicked off July 25. Drew Angerer/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
O ex-presidente Bill Clinton durante discurso no 2º dia da convenção democrata, na Filadélfia

Se Hillary Clinton conquistar a Presidência, Bill Clinton não vai participar regularmente das reuniões de gabinete, dizem os assessores de sua mulher. Ele não será convidado para a Sala de Situação.

Renunciará ao seu envolvimento no trabalho da fundação da família e pode nem mesmo ter um escritório na ala oeste da Casa Branca, já que a presença de um ex-presidente e marido assistindo ao desempenho da primeira mulher a conquistar o posto de comandante em chefe das forças armadas poderia ser visualmente incômoda.

Mas os passos que os assessores dos Clinton estão dando para determinar a forma de sua nova vida pouco fazem para lidar com um problema potencialmente mais complicado: historicamente, quando Bill Clinton não tem muito o que fazer, ele se mete em encrenca.

Foi durante uma paralisação do governo em 1995 que Bill Clinton iniciou seu caso com Monica Lewinsky. Foi nos primeiros anos de sua vida pós-presidencial que suas amizades com playboys ricos se tornaram alvo de jornais sensacionalistas.

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NEW YORK, NY - JUNE 7: (L to R) Husband and former president Bill Clinton and Democratic presidential candidate Hillary Clinton acknowledge the crowd during a primary night rally at the Duggal Greenhouse in the Brooklyn Navy Yard, June 7, 2016 in the Brooklyn borough of New York City. Clinton has secured enough delegates and commitments from superdelegates to become the Democratic Party's presumptive presidential nominee. She will become the first woman in U.S. history to secure the presidential nomination of one of the country's two major political parties. Drew Angerer/Getty Images/AFP == FOR NEWSPAPERS, INTERNET, TELCOS & TELEVISION USE ONLY ==
O ex-presidente Bill Clinton e a candidata democrata Hillary Clinton durante comício no Brooklyn

Deixado à margem da campanha de Hillary pela indicação democrata em 2008, Bill Clinton começou a agir por conta própria e atacou Barack Obama. Mais recentemente, seu jantar com o empresário Mark Cuban e seu encontro em uma pista de pouso com a secretária da Justiça Loretta Lynch foram lembretes de que, quando Clinton tem tempo de sobra, pode criar distrações perigosas para sua mulher.

"Ele adora se envolver nas coisas –ninguém ama a política e o governo mais do que Bill Clinton", diz Mickey Kantor, velho amigo do ex-presidente, a quem serviu como secretário do Comércio. "Ele adora ter algum propósito, e precisa disso".

Colocar Clinton em uso, e ao mesmo tempo conter seus impulsos menos benéficos, pode ser um importante teste para Hillary na presidência, dada sua constante exposição e a pressão que sofreria, e a capacidade limitada de conter os excessos do marido que ela demonstrou no passado.

Hillary pode vê-lo como seu homem de confiança e alguém com quem dialogar sobre a segurança nacional e economia, dizem assessores; um deles recorda uma recente viagem de golfe na qual Bill recebeu diversos telefonemas e e-mails de Hillary antes de chegar ao 14º buraco da pista.

Mas Hillary ainda não está certa de que deva atribuir uma posição formal ao marido, ou se deve confiar nele para ajudá-la nos bastidores, mantendo um perfil discreto, dizem assessores. Ela claramente deseja que ele se ocupe. Falando no programa "60 Minutes", Hillary disse que se ela conquistar a Presidência, precisaria da ajuda de Bill Clinton –e também do presidente Barack Obama– e os "colocaria todos para trabalhar".

Ao mesmo tempo, ela enfatizou que não haveria uma copresidência com seu marido, o que deixa em aberto a questão de como ele ocuparia seus dias quando estiver tão próximo das alavancas do poder, que conhece tão bem.

Média das pesquisas de opinião* -

Dadas suas percepções e experiências, Bill Clinton pode ser mais capacitado que qualquer outra pessoa no que tange a garantir o sucesso da presidência de Hillary –ou pode lançar uma sombra perigosa sobre ela.

"O relacionamento entre eles como atual e ex-presidente seria uma questão muito, muito delicada desde o começo, e eles teriam de definir as regras muito cuidadosamente, para o bem de ambos", disse David Gergen, que foi assessor importante de diversos presidentes, entre os quais Clinton.

"Existe algum revisionismo histórico em curso sobre a presidência dele, que claramente o incomoda, por exemplo, e é possível que ele deseje reescrever a história de sua Presidência em parte ao exercer influência sobre as políticas de Hillary como presidente", disse Gergen. "Os dois precisam tomar muito cuidado com isso".

Assessores e aliados dos Clinton foram enfáticos em afirmar que o único foco de Bill seria ajudar sua mulher como presidente, e fazer o que ela pedisse. Os dois desconsideraram quaisquer controvérsias sobre os últimos anos, apontando que Bill Clinton tinha por foco a fundação da família e a Clinton Global Initiative, no período.

Mas ao mesmo tempo reconheceram que Bill não ficaria satisfeito em passar seu tempo no ócio, ou participar do diálogo apenas quando convidado a fazê-lo.

Aos 69 anos, ainda que a idade e a saúde tenham reduzido um pouco sua energia, Bill Clinton continua a sentir um forte desejo de desempenhar papel central na ação, dizem amigos, e seus interesses intelectuais e curiosidade continuam amplos.

Um assessor diz quer hoje ele dedica uma hora a mais por dia a ler sobre a economia mundial, em parte porque antecipa uma eventual ajuda a Hillary, caso ela peça para que ele colabore para revitalizar a economia, algo que ela já deu a entender que faria.

Clinton gosta de trabalhar no exterior –sua popularidade é imensa em muitos países– e gosta de ligar para quem quiser, na hora que quiser, o que inclui especialmente sua mulher.

Mas se os Clinton retornarem à Casa Branca, a vida dele inevitavelmente será mais circunscrita, e o ex-presidente terá de demonstrar a autodisciplina que a maioria dos primeiros cônjuges do passado aprendeu a exibir.

Amigos de Bill Clinton dizem que a melhor maneira de colocá-lo em uso seria encarregá-lo de uma missão importante mas de foco estreito, como o comando de um grupo de trabalho quanto à mudança no clima, a pobreza mundial ou a epidemia do HIV/Aids, o que seria uma derivação natural do trabalho de sua fundação.

Outros, entre os quais pessoas que trabalharam no governo de Bill Clinton, gostam da ideia de vê-lo como enviado de paz ao Oriente Médio, dados os imensos esforços que dedicou à região durante sua presidência; ou como encarregado de criação de empregos, envolvido na reconstrução da economia nas porções mais problemáticas dos Estados Unidos.

"De alguma maneira, o Oriente Médio seria o trabalho mais natural para ele, porque ele é muito popular junto a todas as partes, e dedicou tanto tempo a promover a paz", disse Martin Indyk, embaixador norte-americano em Israel durante o governo Clinton e veterano negociador de paz entre Israel e os palestinos.

Assessores de Bill Clinton disseram que o posto de enviado para negociar a paz no Oriente Médio não era uma função sobre a qual o tivessem ouvido expressar interesse.

Também apontaram que, para cada possível posto, existia um potencial risco –o de que ele criasse tensões com o secretário do Estado, secretário do Tesouro ou outro integrante do gabinete; o de que ele parecesse conquistar mais visibilidade que Hillary, ou restringisse sua liberdade de ação porque ela pode ter dificuldades para contrariar suas decisões; ou o de que voltasse a se tornar alvo político dos republicanos.

Bill Clinton está genuinamente empolgado para voltar à Casa Branca porque acha que pode ajudar Hillary, dizem seus assessores; assim, caso ele se veja relegado a uma função menor, como comandar um grupo de trabalho, talvez fique querendo mais.

"Jamais tivemos um ex-presidente como figura de bastidores, com tamanho poder para possivelmente falar em nome do novo presidente", disse Douglas Schoen, antigo assessor político de Bill Clinton. "Ele está perfeitamente qualificado para ser o conselheiro de sua mulher, e creio que isso o encantaria, porque ele é uma pessoa sempre engajada, incansável intelectualmente. Ela só terá de canalizá-lo da maneira certa".

Os assessores de Hillary, quando perguntados sobre que papéis específicos Bill poderia desempenhar, disseram que a candidata não havia pensado muito sobre isso.

"Ela certamente buscaria seus conselhos e opiniões", disse Nick Merrill, porta-voz de Hillary. "Mas para além disso... estamos apenas em julho. Seria cedo demais para falar sobre papéis formais para qualquer pessoa em um possível governo".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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