Folha de S. Paulo


Estado de emergência é 'fim declarado' da democracia turca, afirma entidade

O estado de emergência na Turquia, anunciado pelo presidente Recep Tayyip Erdogan nesta quarta-feira (20), é "o fim declarado da democracia" no país, afirma Mustafa Göktepe, presidente do Centro Cultural Brasil-Turquia.

"O estado de emergência é o fim declarado da democracia. Faltam poucas coisas, o fim das negociações com a União Europeia, e aliança com a OTAN [aliança militar ocidental]. Se for assim, a Turquia realmente vai ser um país isoladíssimo, em que Erdogan e seus simpatizantes vivem em paz, o resto vive um exílio, como numa prisão ao ar livre", disse Göktepe, em entrevista coletiva nesta quinta (21).

Daniel Mihailescu/AFP
A young man waves a Turkish flag as people gather for a meeting in support of the Turkish president on Taksim Square in Istanbul on July 19, 2016. Turkey widened its massive post-coup purge to schools and the media on July 19, vowing to root out supporters of an exiled Islamic cleric it accuses of orchestrating the attempted power grab. / AFP PHOTO / DANIEL MIHAILESCU ORG XMIT: DAN2093
Manifestantes pró-Erdogan se reúnem na praça Taskim, em Istambul, na terça (19)

O centro se apresenta como entidade inspirada no movimento Hizmet, criado por Fethullah Gülen, quem o governo turco acusa de responsável pela tentativa de golpe da sexta-feira (15).

Na coletiva desta quinta, Göktepe manifestou preocupação com o que vê como perseguição a todos os ligados ao Hizmet e a Gülen, e a quem mais discordar das políticas de Erdogan. Ele citou o caso de uma localidade, na Turquia, onde um prefeito se recusou a ceder túmulos para quem fosse alinhado ao movimento.

O jornalista Kamil Ergin, editor do site Voz da Turquia, cita outros relatos de perseguição que recebeu de seu país, após a tentativa de golpe: pichações e invasões em prédios de simpatizantes do Hizmet, destruição de uma escola, uma placa colocada na praça Taskim gritando slogan contra os "cachorros de satã". Cita ainda o receio com a situação dos parentes dos simpatizantes.

Ergin também se disse preocupado com a liberdade de imprensa turca. Segundo ele, não há hoje um veículo crítico em atividade.

Segundo o jornalista, ainda foi estabelecida uma linha telefônica que oferece recompensa para quem informar sobre membros do movimento.

GOLPE

O jornalista disse desconfiar das condições que cercaram a tentativa de golpe, na sexta. Cita, entre outros exemplos: o golpe não ter ocorrido de madrugada (como os golpes militares anteriores), os líderes no governo não terem sido presos e as principais emissoras de TV terem continuado transmitindo mensagens de Erdogan e seus aliados.

O presidente do Centro Cultural Brasil-Turquia diz não acreditar que a tentativa de golpe tenha sido uma encenação de Erdogan. "Acredito que ele tinha conhecimento [do golpe em potencial] e deixou acontecer. Ele sabia que ia sair forte."

Apesar da onda de expurgos após a sexta (15), Göktepe ressalvou sua posição contra a tentativa de golpe. "Um golpe é sempre ruim, consequência boa não existe."

O professor da USP Peter Demant, também presente à coletiva do centro, disse não acreditar que o projeto de Erdogan seja instaurar uma ditadura verdadeira no país, mas "concentrar poder para implementar gradativamente um programa de reislamização da Turquia".


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