Folha de S. Paulo


Erdogan declara estado de emergência e pode suspender direitos na Turquia

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, declarou estado de emergência de três meses no país como parte da reação do seu governo à tentativa frustrada de golpe de Estado da última semana.

O anúncio foi feito no mesmo dia em que Erdogan voltou a Ancara pela primeira vez desde a tentativa de golpe. Ele se reuniu por mais de cinco horas com o Conselho de Segurança Nacional, definindo a medida que autoriza a suspensão de direitos civis no país.

Umit Bektas/Reuters
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, durante anúncio de estado de emergência no país
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, durante anúncio de estado de emergência no país

Ele voltou a declarar que vai livrar os militares do "vírus" da subversão e dar ao governo os poderes necessários para ampliar a repressão contra os suspeitos de envolvimento no golpe.

O estado de emergência começará a valer após sua publicação no diário oficial da Turquia. Ele vai permitir que o presidente se sobreponha ao Parlamento para aprovar novas leis, e poderá limitar ou suspender direitos e liberdades da população.

Segundo o presidente, a medida visa evitar novas ameaças à democracia.

"O objetivo é tomar de forma rápida e efetiva todos os passos necessários para eliminar a ameaça à democracia, à lei e aos direitos e liberdades do povo", disse.

Erdogan alegou que poderia ter sido morto durante a tentativa dos golpistas de tomar o poder. Ele disse que o expurgo vai continuar dentro das Forças Armadas.

O presidente negou que a medida restrinja direitos democráticos dos turcos.

"Esta medida não é de forma alguma contra a democracia, a lei e as liberdades. Pelo contrário, busca proteger e fortalecer eles."

Daniel Mihailescu/AFP
Turcos fazem manifestação de apoio ao governo após tentativa frustrada de golpe
Turcos fazem manifestação de apoio ao governo após tentativa frustrada de golpe

EMERGÊNCIA

A Turquia impôs uma lei marcial semelhante ao estado de emergência no sudeste do país em 1987, enquanto o país enfrentava rebeldes curdos na região. A medida permitia que governantes determinassem toques de recolher, emitissem mandados de busca e de prisão, e restringia reuniões populares. A medida foi suspensa de forma gradual.

Erdogan ressaltou que não fará qualquer "concessão" em seu compromisso com a democracia, após seu regime ser alvo de críticas de vários países, especialmente diante da demissão de milhares de funcionários públicos em decorrência da tentativa de golpe.

"Jamais faremos concessões em relação ao nosso compromisso com a democracia", garantiu Erdogan ao discursar em Ancara. O estado de emergência "absolutamente não viola a democracia, as leis e a liberdade, muito pelo contrário, visa exatamente a proteger e reforçar estes valores".

Segundo o último boletim oficial, a tentativa de golpe, deflagrada na noite de sexta-feira passada, deixou 312 mortos, sendo 145 civis, 60 policiais, três soldados e 104 "rebeldes".

CONSTITUIÇÃO

Erdogan não anunciou detalhes sobre o estado de emergência, mas a medida vai facilitar o aprofundamento do expurgo contra os suspeitos de envolvimento com o golpe.

Segundo a Constituição turca, o estado de emergência pode ser declarado por conta de atos de violência e deterioração da ordem pública.

O Artigo 15 diz que "em tempos de guerra, mobilização, lei marcial ou estado de emergência, o exercício de direitos fundamentais e liberdades pode ser parcial ou inteiramente suspenso, ou medidas derrogatórias às garantias consagradas na Constituição podem ser tomadas na medida exigida pelas exigências da situação, contanto que as obrigações sob a lei internacional não sejam violadas".

O Artigo 120 diz que o registro de casos sérios de violência que visem a destruição da ordem democrática estabelecida pela Constituição, o Conselho de Segurança Nacional deve se reunir com o presidente para definir a declaração de estado de emergência em todo o país ou uma ou mais regiões determinadas. O estado de emergência não pode exceder o período de seis meses.

Já o artigo 121 determina que a declaração do estado de emergência deve ser submetida ao Parlamento turco para aprovação. O Parlamento pode alterar a duração do estado de emergência.

As medidas a serem tomadas, diz a Constituição, dependem da situação em que o estado é declarado.

Durante o estado de emergência, o Conselho de Ministros e o presidente podem emitir decretos com força de lei.

EXPURGO NA EDUCAÇÃO

Mais de 600 escolas privadas e residências estudantis serão fechadas como parte do expurgo realizado pelo governo depois da tentativa de golpe de sexta-feira (15). Além do fechamento das escolas, cerca de 6.500 funcionários do Ministério da Educação da Turquia foram suspensos.

O expurgo sobre a educação turca ocorre porque o governo acredita que escolas têm ligação com o clérigo autoexilado nos EUA Fetullah Gülen. Gülen nega envolvimento com o golpe e acusa Erdogan de promover uma "caça às bruxas".

Até o momento, cerca de 60 mil soldados, policiais, juízes e professores foram demitidos, suspensos, presos ou estão sendo investigados por suspeitas de envolvimento no golpe.

O expurgo decidido pelo poder turco após a tentativa de golpe de Estado afeta grandes setores da sociedade, do exército aos meios de comunicação, passando pelas universidades e a magistratura. Por enquanto, cerca de 10 mil pessoas foram detidas.

Dois integrantes da corte constitucional da Turquia foram presos nesta quarta-feira, informou a emissora privada NTV, em um momento em que o governo amplia o expurgo no judiciário, no serviço público, nas forças militares e na educação após um golpe fracassado no país.

Os dois membros da corte constitucional estão no grupo de 113 funcionários do Judiciário formalmente presos nesta quarta-feira, disse a NTV. Acusações formais também foram feitas contra um assessor do presidente Tayyip Erdogan, segundo a emissora.

Ao menos 9.322 militares, magistrados e policiais enfrentam um "processo judicial", segundo o vice-primeiro-ministro Numan Kurtulmus.

O golpe fracassado e os expurgos que se seguiram têm abalado seriamente a Turquia, um país de quase 80 milhões de pessoas que faz fronteira com a Síria e é um aliado do Ocidente contra o Estado Islâmico.

Enquanto o presidente Recep Tayyip Erdogan cogita uma possível reinstauração da pena de morte no país, a depuração se concentra em pessoas próximas ou partidárias do pregador Fethullah Gülen, exilado nos Estados Unidos desde 1999 e acusado de ser o instigador do golpe.

EDUCAÇÃO

O Conselho de Ensino Superior (YÖK) exigiu a renúncia de 1.577 reitores e decanos das universidades públicas e das que estão vinculadas a fundações privadas, segundo a mesma agência.

O YÖK proibiu nesta quarta-feira os professores universitários de fazer viagens a trabalho ao exterior e convocou as universidades com professores que realizam missões no exterior a fazer com que eles voltem ao país o quanto antes.

O organismo público também convocou os reitores "livres de suspeita" a "examinar urgentemente a situação de toda a equipe docente e administrativa" vinculada ao clérigo Fethullah Gülen, acusado de orquestrar o golpe de Estado. Os reitores devem apresentar suas conclusões no dia 5 de agosto.

Segundo o Hurriyet, será retirada a licença de 21.000 funcionários da educação privada, que estarão proibidos de ensinar a partir de agora.

WIKILEAKS

As autoridades turcas bloquearam nesta quarta-feira o acesso ao site WikiLeaks, após a publicação de quase 300 mil mensagens eletrônicas de responsáveis do partido político no poder na Turquia, o Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP).

O WikiLeaks disse que estas mensagens eletrônicas são provenientes do site do Partido, akparti.org.tr, e versavam, em particular, sobre assuntos internacionais, e não "sobre as questões mais sensíveis da política interna".

A organização acrescentou que estes e-mails foram trocados entre 2010 e 6 de julho deste ano, portanto foram obtidos antes da tentativa de golpe de Estado de 15 de julho.

A fonte destas mensagens eletrônicas "não tem nenhum vínculo com os elementos (que estiveram por trás) da tentativa de golpe de Estado, ou com um partido (político) rival ou outro Estado", afirmou.

Um responsável turco confirmou que o site WikiLeaks havia sido bloqueado por motivos "de violação da vida privada e a publicação de informação obtida ilegalmente".

BRASIL

O Brasil é citado em 40 e-mails do partido turco vazados pelo WikiLeaks. A maioria deles trata de questões econômicas de mercados emergentes, mencionando a instabilidade brasileira como sendo algo a ser observado de perto.

Apenas dois aparentam ter um pouco mais de relevância. Um deles trata do reconhecimento do genocídio armênio pelo Senado brasileiro, em maio de 2015. O email defende o envio de comentários em inglês em sites que dão a notícia, chamando o genocídio de "mentiras centenárias".

O outro e-mail, ao tratar de terrorismo armênio e terrorismo islâmico, cita uma organização supostamente ligada a al Qaeda, que, no ano 2000, teria membros espalhados por Inglaterra, França, EUA, Rússia, Argentina, Brasil e outros países. O Brasil não tem destaque, e é apenas citados como um dos lugares mencionados numa longa lista.


Endereço da página:

Links no texto: