Folha de S. Paulo


Análise

Fortalecido por ora, presidente da Turquia terá nós para desatar

Se por um lado a tentativa de golpe militar se mostrou fracassada na Turquia, por outro, desenvolve-se larga crise política como resultado.

As medidas contra os que participaram ou apoiaram o golpe não se fizeram esperar. Até esta segunda-feira (18), mais de 7.500 pessoas haviam sido presas —mais de 6.000, militares, entre eles, dezenas de generais e almirantes.

Kayhan Ozer/Presidential Palace/Reuters
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, acena a seus seguidores em casa em Istambul
O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, acena a seus seguidores em casa em Istambul

Os turcos que foram uníssonos contra o golpe militar, em grande medida pelo trauma que têm dos sofridos no passado, ainda tinham boa imagem de seus soldados.

Isso parece ter mudado desde os eventos de sexta-feira (15) à noite, testemunhando-se não poucas imagens de praças sendo presos e humilhados em cidades como Istambul e Ancara. Fica claro, porém, haver uma preferência e um consenso pela democracia entre os outros tipos de regimes políticos, ainda que muitos não se sintam totalmente representados.

Mesmo aqueles que não se envolveram diretamente com a coisa toda já sofrem resposta dura, porém.

Ocorrem expurgos no Judiciário, de onde foram afastados 2.745 juízes. E em função da tentativa de golpe ainda, volta-se a falar em pena de morte, que tinha sido abolida em 2002 e que tirou a vida, inclusive, de um ex-premiê, Adnan Menderes, enforcado em 1961.

Não há dúvida que, caso seja confirmado o retorno desta lei, deve se complicar ainda mais as já tensas relações da Turquia com a União Europeia.

Já houve declaração oficial da instituição nesse sentido, deixando claro seu desejo que a Turquia siga a ordem constitucional e mantenha o Estado de Direito.

Ao que parece, portanto, o presidente Recep Tayyip Erdogan sai fortalecido nesse primeiro momento, com boa parte da população deixando claro que, mesmo quem não lhe tem em alta conta, preferiu seu governo a uma ditadura militar.

A tentativa de golpe, porém, explicita dois elementos: o governo não pode confiar muito nos militares; e há setores dentro das instituições que estão dispostos a atentar contra a ordem constitucional. Se Erdogan não desatar esses nós, um novo incidente por ocorrer. As apostas são muito altas.

REAÇÃO EXTERNA

Em termos externos, contudo, as relações se estremecem com os EUA, a quem o governo turco exige a extradição do clérigo Fethullah Gülen, residente na Pensilvânia, e já dificultou o uso da base de Incirlik, de onde partiam voos para atacar alvos da facção Estado Islâmico.

O governo americano já avisa a seus nacionais para que não viajem à Turquia.

A pergunta é se os EUA estão dispostos a perder posições em um aliado fundamental para seu esquema de segurança no Oriente Médio e na Eurásia a fim de proteger Gülen. O registro histórico é de que os interesses estratégicos se sobrepõem a alianças conjunturais.

A Alemanha, que recebeu uma enorme diáspora turca e tem interesse no papel desse país na contenção de refugiados sírios, segundo sua imprensa, parece temer que a crise se torne guerra civil.

De todo modo, deve-se ter atenção especial ao impacto que a crise terá no complexo tabuleiro turco de conflitos com os curdos e na lida com o Estado Islâmico em suas fronteiras e em seu território.

O golpe falido piora a situação de segurança doméstica, o que poderia ampliar as brechas em um país em guerra contra o terrorismo.

MONIQUE SOCHACZEWSKI é professora da pós-graduação em ciências militares na Eceme (Rio); ARIEL GONZALEZ LEVAGGI é pesquisador da Universidade Koç (Istambul)


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