Folha de S. Paulo


Em hospital infantil em Nice, silêncio e morte rondam ambiente

Nada nos treinamentos pelos quais passaram os médicos do hospital pediátrico da Fundação Lenval, em Nice, poderia tê-los preparado para a cena de uma sala de emergência com 30 crianças com traumatismo craniano, fraturas múltiplas, alguns com risco iminente de morte.

Dos 84 mortos no atentado de quinta, ao menos dez eram crianças e adolescentes, segundo autoridades locais.

Devido ao alerta para terrorismo na França, a equipe havia passado recentemente por duas baterias de treinos, mas ninguém previu o atropelamento de famílias inteiras por um caminhão guiado por um terrorista. O alarme chegou por mensagens de SMS convocando 60 cirurgiões, anestesistas, anestesiologistas, enfermeiras.

Rapidamente, os médicos identificaram os cinco casos que necessitavam de cirurgia urgente e iniciaram as operações. Enfermeiras e psicólogas tentavam acalmar mães, pais, irmãos, primos.

A criança mais jovem internada é um bebê de 6 meses. Dos 30 que ingressaram no hospital à noite e ao longo da madrugada, dois morreram. Tinham 4 e 12 anos. Dos demais, cinco continuam em estado grave, sendo que para dois deles há risco de morte.

Segundo Stéphanie Simpson, diretora de Comunicação do hospital, o ambiente era estranhamente silencioso. "Os treinamentos pareciam reais, e, de repente, essa noite pareceu surreal", comentou Simpson. "Foi calmo, não havia agitação no ar."

FAMÍLIAS DIVIDIDAS

Famílias foram espalhadas pela cidade, divididas, porque o hospital é exclusivamente pediátrico, e nove adultos que chegaram com suas crianças foram transferidos. Dois morreram a caminho de outras instalações.

"Na mesma noite começamos o apoio psicológico para as famílias, que estão em choque, algumas pessoas não conseguem falar, outros não conseguem aceitar ou entender a morte de uma criança, é uma situação muito difícil."

Uma mulher aparentando 25 anos desmaiou na porta do hospital ao sair para falar com parentes, e teve que ser carregada para dentro. Dois policiais com metralhadoras guardavam o hospital, a mais antiga instituição pediátrica da França, fundada em 1888.

Quase todas as crianças e adolescentes internados são franceses, com apenas uma exceção, uma criança suíça de 4 anos que faleceu.

Ao longo desta sexta (15), pais, tios e avós tiveram acesso quase irrestrito. Quando saíam, com expressão de dor, apertavam o passo ou faziam gestos para indicar aos jornalistas de plantão na porta do hospital que não tinham condições de dar declarações.

O 14 de julho, data nacional francesa, é uma festa das famílias, que comparecem à queima de fogos em sua cidade levando idosos e crianças, como acontece no réveillon na praia de Copacabana e em tantas cidades brasileiras.

Uma das crianças, inconsciente, ainda não foi identificada. A equipe trabalha incessantemente para encontrar os pais dessa vítima.

"É a maior crise da nossa história, em 128 anos. São muitos feridos, e o lado psicológico de desmantelamento das famílias é algo nunca visto", afirma Simpson.

Após salvar as vidas possíveis, o desafio será ajudar as crianças a entender o que ocorreu. "Só os adolescentes se dão conta do que houve", diz a diretora, que estava na promenade des Anglaises, local do atentado, com os dois filhos e uma tia de 81 anos.

"Saímos dez minutos antes do fim. Começou um vento forte, gotas de chuva, e eu decidi ir para casa", conta Simpson. "Foi muita sorte."


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