Folha de S. Paulo


Festa popular em Nice dá lugar a um rastro de mortes

Uma ambulância vermelha com luzes piscando desceu pela rua em alta velocidade e parou de repente. O motorista saltou e perguntou "cadê os feridos?"

"Aqui só temos mortos", responderam dois homens, tentando reconfortar um rapaz que chorava sobre o corpo de sua mãe e suplicava a Alá que a recebesse no paraíso.

Um cenário tenebroso cheio de mortos e agonizantes se estendia por um quilômetro e meio da graciosa Promenade des Anglais na noite de quinta-feira, partindo do aeroporto de Nice em direção à parte mais antiga dessa cidade litorânea francesa.

Uma grande festa de rua acontecia ali, comemorando o feriado francês do Dia da Bastilha. De repente um caminhão passou pela rua em alta velocidade, deixando para trás um rastro de corpos, choque e desespero no meio da festa popular na Riviera Francesa.

Entre as primeiras pessoas mortas pelo caminhão na calçada diante da praia de Lenval estava uma muçulmana de meia-idade. Aos prantos ou em silêncio chocado, dois de seus filhos e outros familiares cercavam o corpo dela, sobre o qual tinham estendido uma manta axadrezada azul.

Ali perto o corpo de outra vítima estava jogado na calçada diante da praia, um homem não identificado coberto por um lençol ensanguentado.

Eram tantos os corpos que, para preservar sua dignidade, as pessoas tinham coberto alguns deles com toalhas de mesa arrancadas dos restaurantes que se estendem ao longo da Promenade des Anglais.

Ventava e caía uma garoa esporádica; o ambiente de festa de apenas alguns instantes antes já tinha virado uma recordação distante. Uma multidão se reunira no calçadão para festejar o Dia da Bastilha, o maior feriado nacional francês. O homem e a mulher mortos estavam ali, junto com tantos outros, espalhados pelo grande calçadão de frente para o mar, assistindo à queima anual de fogos de artifício que iluminava o céu noturno de Nice.

Todos foram presas fáceis -ou, no jargão de uma era em que chacinas deste tipo se tornaram tristemente comuns, foram alvos soft.

A noite estava cheia de explosões de som e luz, com os fogos pipocando no litoral sul da França, arrancando aplausos e vivas de famílias felizes cuja maior preocupação durante boa parte do dia tinha sido a possibilidade de a chuva levar o evento a ser cancelado.

Não era uma base militar ou um prédio governamental vigiado por seguranças. Era simplesmente uma multidão que comemorava o feriado na rua. Como as pessoas na boate Bataclan, abatidas em Paris durante um show de música; como os profissionais do jornal "Charlie Hebdo", ou como as pessoas explodidas diante do aeroporto na Turquia.

Desta vez, só foi preciso um caminhão enorme e um motorista assassino. Testemunhas disseram que o caminhão entrou na Promenade des Anglais por uma rua lateral próxima ao hospital infantil da Fundação Lenval, virou à esquerda e subiu sobre a calçada diante de uma fileira de prédios e casas com sacadas de frente para o mar.

O motorista então avançou fundo pela cidade, atropelando vítima após vítima enquanto o caminhão avançava em meio à multidão cada vez mais densa de pessoas.

Pierre Roux, cujo apartamento fica de frente para o mar, disse que num primeiro momento pensou que o caminhão estivesse descontrolado, nada mais. Mas então observou que seus faróis estavam desligados e que ninguém estava buzinando.

"Ninguém que estava no caminho teve a menor chance de sobreviver", ele disse.

Roux saiu de seu apartamento bem cedo na sexta-feira para acender uma vela ao lado de um lençol branco que cobria um corpo que não era velado por ninguém.

Enquanto ele falava, policiais fortemente armados bloqueavam o acesso a um perímetro amplo em volta da cidade.

Simon Cotteridge, que também mora de frente para o calçadão, disse que estava assistindo à queima de fogos. Logo depois que os fogos acabaram, ouviu "um baque tremendo".

Ele ficou imaginando que teria sido algum tipo de adendo para encerrar a queima de fogos, ou então um acidente. Mas então viu uma dezena de corpos espalhados pela calçada e uma grande multidão de pessoas correndo e gritando. "Foi medonho."

Editoria de arte/Folhapress
Atentado em Nice - arte

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