Folha de S. Paulo


Nova primeira-ministra britânica parece mais Merkel do que Thatcher

Momentos após a confirmação de Theresa May como a próxima primeira-ministra do Reino Unido, tabloides e piadas em Londres a comparavam com a "dama de ferro" dos anos 80, Margaret Thatcher.

Mas quem tiver um olhar mais atento verá que há mais coisas em comum com a mulher mais poderosa da Europa hoje: a "chanceler de ferro" da Alemanha, Angela Merkel.

Ambas têm um histórico de pragmatismo cauteloso. Merkel é conhecida por ficar em cima do muro sobre várias questões, à espera do surgimento de um consenso antes de se comprometer com qualquer que seja o lado com maior probabilidade de funcionar.

May demonstrou sua própria compreensão das táticas da paciência, ao optar por ficar à margem politicamente, durante o nocivo referendo britânico sobre a adesão à União Europeia —ela ficou no meio, aparentemente o melhor lugar para assumir o comando de um Partido Conservador dividido na sequência da renúncia de David Cameron.

"Muitas vezes as pessoas afirmam que não dá para você dizer o que Merkel pensa sobre determinada questão até o último momento, e talvez nem mesmo nesse momento. May parece ser igualmente inescrutável. Ela espera a melhor hora", disse Hans Kundnani, que vive em Londres e é analista de política externa do think tank German Marshall Fund.

"Todo mundo parece querer comparar as líderes mulheres com Thatcher. Mesmo quando Merkel surgiu, ela foi comparada com Thatcher também. Mas, na verdade, Merkel é a anti-Thatcher", disse Kundnani.

"Thatcher era muito apaixonada, com crenças fortes, e lutou por elas. Ela era uma política polêmica, enquanto Merkel é o oposto. Até agora, com base no que sabemos de May, parece haver mais Merkel do que Maggie nela."

Os meios de comunicação alemães exploraram como May, 59, pode chegar a ter um intenso relacionamento de trabalho com Merkel, 61, líder da Alemanha desde 2005, ao citar semelhanças quanto a essência e estilo, de antecedentes familiares a hobbies.

"Quanto há de Merkel na sra. Brexit?", indagou na edição online da terça-feira o tabloide alemão "Bild", que mencionou paralelos entre as líderes e a esperança de que elas possam desenvolver um vínculo que limite o dano político para a Europa, enquanto o Reino Unido negocia uma saída lenta da União Europeia de 28 países.

As duas cresceram no interior, em lares de devoção cristã: May, em uma cidade perto de Oxford, onde seu pai era vigário da Igreja Anglicana; Merkel, em uma cidade ao norte de Berlim, onde seu pai era pastor luterano.

Ambas gostam de relaxar na cozinha e cozinham para seus maridos, arredios às câmeras. May diz que tem mais de 100 livros de receitas à mão, que consulta com seu marido Philip, banqueiro de investimentos, enquanto Merkel disse haver acostumado mal seu marido, Joachim Sauer, com bolo de frutas caseiro.

Nenhuma das duas tem filhos, uma questão que se mostrou estranhamente decisiva para a rápida confirmação de May como líder britânica. Sua principal rival para a liderança, Andrea Leadsom, renunciou praticamente um dia depois de sugerir, de forma desastrada, que seria uma melhor líder porque ela, ao contrário de May, era mãe.

Tanto Merkel como May preferem vestimentas sóbrias, com uma fraqueza, compartilhada, pelos colares de contas grandes e pelas cores menta e turquesa. Os paralelos da moda terminam definitivamente em seus pés, que May notoriamente adorna com uma variedade de calçados caros.

A coleção de sapatos de May é tão representativa da sua imagem, por outro lado sóbria, que o jornal alemão "Die Welt", em uma reportagem sobre a nova líder britânica, publicou uma foto de primeira página dos seus pés em sapatos de salto com estampa de leopardo, ao lado do título "Os sapatos do poder".

Possivelmente, o maior problema agora é saber se May se tornará, como primeira-ministra, uma centrista que busca o consenso, como Merkel, ou se fará uma guinada à direita, em direção aos legisladores mais expressivamente antieuropeus do seu Partido Conservador.

Enquanto Thatcher era famosa pela rigidez —"Esta senhora não muda de opinião", ela disse uma vez, zombando de outros legisladores dispostos a acordos—, May destacou a necessidade de os conservadores analisarem de forma crítica sua imagem de indiferença e de chegarem aos pobres e marginalizados.

"Sob a minha liderança, o Partido Conservador irá se colocar —completamente, absolutamente, inequivocamente— a serviço dos trabalhadores comuns", ela disse na segunda-feira, horas antes de se tornar oficialmente designada para primeira-ministra.

May passou os últimos seis anos trabalhando como ministra do Interior de Cameron, o cargo mais alto em termos de cumprimento da lei e manutenção da ordem pública para a Inglaterra e o País de Gales, o primeiro cinco deles em coalizão com o Partido Liberal Democrata de esquerda.

Merkel governou duas vezes com rivais de esquerda, e moveu seus democratas cristãos conservadores para o centro de forma implacável. Merkel afastou a Alemanha da dependência de energia nuclear, descartou o recrutamento militar e aumentou o apoio a mães trabalhadoras.

IMIGRAÇÃO

As duas líderes trilharam caminhos totalmente diferentes em relação à questão que mais alimentou o sentimento anti-Europa no Reino Unido: imigração.

Merkel foi vista como a inspiradora de um engarrafamento de refugiados na Europa com a promessa de 2015 de dar abrigo ilimitado a refugiados de guerra, uma posição que ela foi forçada a moderar, já que a capacidade da Alemanha para absorver os recém-chegados foi levada ao limite.

May, pelo contrário, vem sendo consistentemente firme na busca por reduzir a imigração para o Reino Unido —embora, em seu papel de liderança emergente, tenha advertido que a imigração poderia aumentar vertiginosamente antes de o Reino Unido sair da UE.

E, nessa questão chave, aqueles que comparam May e Merkel veem sinais de que as negociações do Reino Unido com a UE podem terminar sendo de longo prazo, com May já comprometida a não invocar o artigo do tratado que formalmente dá início às negociações de saída até 2017.

No discurso de segunda-feira, May prometeu que "´Brexit` significa ´Brexit`" —mas não deu sinais sobre o tipo de saída que ela realmente imagina que acontecerá, ou quando. Alguns esperam que May possa chegar a comandar a arte da virada política, de forma parecida a Merkel, que mudou de rumo quando os acontecimentos e as necessidades da coalizão assim exigiram.

Kundnani disse suspeitar que May gostaria de minimizar a desconexão do Reino Unido em relação à economia sem fronteiras da UE, mas que poderia se encontrar com um espaço de manobra particularmente pequeno dentro das fileiras conservadoras, porque ela, ao contrário da maioria dos seus rivais de liderança derrotados, apoiou o lado da "permanência" no referendo.

"Ela tem que ser mais dura para provar suas credenciais em relação à opção pela ´saída`", disse ele. "Ela pode, de forma privada, preferir outro caminho, mas a pressão sobre ela para não recuar na votação do ´Brexit` será maior."

Tradução de DENISE MOTA


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