Folha de S. Paulo


Maioria de casos de violência policial nos EUA não chega a ser investigada

No primeiro aniversário da morte de seu marido, Esaw Garner acendeu uma vela e fez uma oração silenciosa. Ela imaginou que um ponto final seria colocado no caso, de uma maneira ou de outra. Afinal, autoridades federais lhe haviam garantido pessoalmente que abririam nova investigação sobre o policial de Nova York que aplicara uma gravata em seu marido, Eric Garner, nos instantes antes de ele morrer.

Mas agora o segundo aniversário da morte de Eric Garner se aproxima. Esaw Garner vai acender outra vela e fazer outra oração em 17 de julho, mas a investigação que a deixou esperançosa ainda não chegou a nenhuma conclusão. Ela está cansada de esperar e farta de ficar se preocupando. O que ela quer é simplesmente poder ir adiante com sua vida.

Elizabeth Shafiroff/Reuters
Manifestantes pedem justiça pela morte de Eric Garner e outras vítimas de violência policial nos EUA
Manifestantes pedem justiça pela morte de Eric Garner e outras vítimas de violência policial nos EUA

"Morro de saudades de meu marido, mas, basicamente, parei de perguntar às autoridades o que está acontecendo", ela disse, entrevistada na semana passada. "Se vão fazer alguma coisa, farão. Mas está nas mãos de Deus. Para mim, chega."

VIOLÊNCIA POLICIAL

As mortes envolvendo policiais parecem ter ocorrido com regularidade chocante nos últimos anos, incluindo duas na semana passada: uma em Baton Rouge, Louisiana, em 5 de julho, e uma segunda na noite de quarta-feira num subúrbio de St. Paul, Minnesota.

O governo federal não investiga a maioria desses episódios, mas, quando se envolve -como anunciou que faria no caso em Louisiana-, as investigações frequentemente se arrastam por muito tempo.

A demora no inquérito sobre a morte de Eric Garner, que é objeto de atenção especial, se devem a várias razões: existem complexidades inerentes às leis federais de direitos civis, e as autoridades querem avançar com cautela em um caso delicado.

Mas, de acordo com os envolvidos, também há divergências grandes em relação a como prosseguir ou até quanto a levar a investigação adiante ou não. Promotores federais no tribunal federal do Brooklyn, cuja jurisdição abrange também Staten Island, Queens e Long Island, expressaram dúvidas quanto à possibilidade de provarem no tribunal que um crime foi cometido. Seus colegas em Washington acreditam que há evidências suficientes para levar os responsáveis a julgamento.

As diferenças de opinião vieram à tona numa reunião recente em Washington, onde as duas promotorias apresentaram suas posições à secretária de Justiça, Loretta Lynch. Esta, que no passado foi a promotora federal chefe no Brooklyn, terá agora que decidir se toma o partido de seus antigos colegas ou o da equipe especial de direitos civis que investiga casos como esse. Não está claro o que e quando ela vai decidir.

"Está demorando bastante", disse William Yeomans, da American University School of Law e que foi no passado secretário assistente de justiça para os direitos civis. "Eu diria até que mais tempo que o previsto, especialmente considerando que existe um vídeo."

DEBATE JURÍDICO

O vídeo, que já foi visto em todo o mundo, mostra Eric Garner, 43 anos, se debatendo enquanto é dominado pelo policial Daniel Pantaleo, que estava tentando prendê-lo por suspeita de vender cigarros avulsos numa rua de Staten Island em julho de 2014. Cinco meses mais tarde, um grande júri estadual optou por não apresentar acusação criminal contra Pantaleo, desencadeando uma onda de protestos em Nova York e uma discussão nacional sobre o policiamento em comunidades formadas por minorias.

Como já foi feito em outros casos locais em que os responsáveis não foram levados a julgamento, uma equipe de promotores federais lançou sua própria investigação do caso, convocando um grande júri que vem se reunindo no Brooklyn de modo intermitente desde fevereiro. Especialistas e autoridades dizem que a conclusão vai depender de se Pantaleo privou Garner propositalmente de seus direitos civis, ou não.

Para Alan Vinegrad, ex-promotor federal do Brooklyn, "trata-se de uma decisão tomada de modo instantâneo por um policial que desempenhava seus deveres oficiais na rua. É muito difícil diferenciar o que é e o que não é uma privação intencional dos direitos civis de uma pessoa."

Essas dificuldades provocaram uma discussão acirrada entre os promotores de Washington e os do Brooklyn. Advogados da divisão de direitos civis do Departamento de Justiça acham que dispõem de evidências suficientes para provar que Pantaleo agiu de modo intencional. Mas algumas pessoas no Departamento de Justiça hesitam; segundo três antigos e atuais autoridades policiais federais, os promotores do Brooklyn chegaram a argumentar que o caso não deveria ser levado a um grande júri, para começar.

Enquanto isso, Pantaleo continua restrito a trabalhar em funções administrativas. Se o grande júri federal não o indiciar ou se os promotores decidirem não levar o caso adiante, ele pode ser indiciado internamente pelo próprio departamento de polícia.

Quanto a Esaw Garner, a esperança deu lugar a um sentimento de frustração profunda.

"Eu estava bem mais otimista no ano passado", ela disse. "Este ano, não sei. Eles me dizem sempre que tudo que for possível será feito. Mas até quando vai ser preciso investigar?"

Tradução de Clara Allain


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