Folha de S. Paulo


Polícia de Dallas usa robô-bomba para matar suspeito e levanta debate

A polícia de Dallas usou uma tática inédita para encerrar o confronto com o suspeito de matar cinco agentes durante um protesto na cidade iniciado na última quinta (7): usar um robô-bomba.

A estratégia de explodir o suspeito à distância foi adotada para proteger os policiais que negociavam com o homem havia várias horas e com quem já haviam trocado tiros com ele na madrugada.

Mas a decisão também levantou um debate sobre a crescente militarização da polícia e o uso de armas controladas remotamente, além de jogar luz sobre uma nova era do policiamento nos EUA.

O chefe de polícia de Dallas, David O. Brown, disse que os agentes colocaram um explosivo no braço de um dos robôs do departamento e o detonaram quando ele estava próximo do atirador.

Embora não tenha dado mais detalhes, especula-se que o robô utilizado na ação era um dos veículos de controle remoto empregados há tempos pela polícia americana para inspecionar áreas de risco ou detonar pacotes com suspeita de terem explosivos.

"Outras opções teriam exposto os agentes a grave risco", argumentou Brown.

Mas a decisão chocou alguns policiais, que disseram achar que a nova tática borra a linha entre o trabalho da polícia e a zona de guerra.

O uso do robô, argumentam esses críticos, pode ter sido excessivo e cria precedente para que outros departamentos de polícia pelo país façam o mesmo.

"Quanto mais distanciamos o policial do uso da força e das consequências que vêm dele, mais fácil será usar táticas assim", disse Rick Nelson, do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais e ex-membro do Conselho Nacional de Segurança.

Nelson cita como exemplo o uso de drones -aeronaves não tripuladas pilotadas remotamente- em conflitos no exterior. "Na guerra, o objetivo é matar. A força policial tem uma missão diferente", afirma Nelson.

HOMEM VS. MÁQUINA

A decisão de usar um robô abriu questões (não poderia ter sido usado um franco-atirador a uma distância segura em vez de uma máquina?). Não está claro, ainda, os motivos que levaram a polícia a querer matar o suspeito, em vez de insistir na negociação para que ele se rendesse.

O chefe de polícia de Dallas disse apenas que o suspeito afirmou estar aborrecido com o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), movimento que protesta contra a violência policial que visa negros em todo o país.

O suspeito, Micah Xavier Johnson, um veterano do Exército americano, também teria dito que se incomodara com mortes de Philando Castile, 32, e Alton Sterling, 37, dois homens negros mortos em ações da polícia de suas cidades às vésperas do protesto em Dallas em que os agentes foram mortos.

Mas há apoio à decisão de usar o robô. O comissário de polícia de Nova York, William J. Bratton, disse em entrevista na sexta que a polícia nova-iorquina tem essa capacidade. "Era um indivíduo que matou cinco policiais."

Ryan Calo, especialista em questões legais envolvendo robótica, disse achar que a tática é justificada e que vê pouca diferença entre o uso de um robô-bomba e de um franco atirador. "Nenhuma corte encontraria um problema aqui", disse o professor da escola de direito da Universidade de Washington. "Quando alguém corre risco de morte, não há obrigação dos policiais de se porem em risco."

Usar um robô da polícia para levar bombas "provavelmente é inédito", disse Robert Louden, ex-negociador-chefe da polícia de Nova York e ex-professor de Justiça Criminal do John Jay College.

Para ele, o uso da máquina não era o plano inicial da polícia, e foi um recurso criado quando as negociações com o suspeito fracassaram.

"Nós vamos colocar um policial em risco?", disse Louden. "Ou vamos tentar algo que é um pouco diferente, mas que passa nos testes legais de justificativa de uso da força?"

OUTROS CASOS

Há outros assuntos significativos que surgem quando se usa um explosivo, segundo especialistas em legislação. As bombas podem destruir propriedades e causar incêndios.

Uma das poucas vezes em que a polícia usou explosivos foi em 1985, quando agentes da Filadélfia explodiram a sede do grupo de liberação negra, Move. Ao todo 11 membros, incluindo cinco crianças, foram mortos.

Um incêndio se espalhou pela região, destruindo mais de 60 casas. Os explosivos usados no caso Move foram levados ao local de helicóptero.

Esses robôs são normalmente utilizados para entregar objetos a suspeitos e reféns ou para se comunicar com suspeitos.

Em 2015, um homem armado com uma faca que ameaçava pular de uma ponte em San Jose, na Califórnia, foi preso depois que um robô levou um telefone e pizza até ele, parte dos esforços da polícia para acalmá-lo.

Em novembro de 2014, a polícia de Albuquerque, Novo México, usou um androide para desativar munições químicas em um quarto de hotel onde estava um homem armado. Ele se entregou.

Editoria de arte/Folhapress
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