Folha de S. Paulo


Enquanto Reino Unido faz balanço de guerra, Iraque avalia consequências

Enquanto o Reino Unido revia, na quarta-feira, sua decisão de ir à Guerra do Iraque há 13 anos, Thamir al-Shemmary ia ao funeral de seu irmão e de dois sobrinhos, mortos no fim de semana no ataque terrorista mais letal em Bagdá desde o início da guerra.

Shemmary tinha uma pergunta para Tony Blair, o ex-primeiro-ministro britânico, cuja decisão de se unir à invasão foi criticada no relatório Chilcot, a extensa investigação de guerra divulgada em Londres na quarta-feira (6).

"Quem vai me compensar pela perda do meu irmão e dos seus filhos?", disse. "Acredite, estou sangrando por dentro."

Enquanto o Reino Unido está mergulhado na volta do litígio da história doméstica na Guerra do Iraque —as avaliações de inteligência falsas, a falta de planos para depois da invasão—, o Iraque está mergulhado nas consequências dessa história.

A quarta-feira deveria ter sido uma alegre celebração do Eid al-Fitr, o feriado após o mês sagrado do Ramadã, que é normalmente ocupado por reuniões familiares, jogos, doces e refeições suntuosas.

Mas muitas celebrações do Eid foram canceladas, substituídas por funerais, sessões de oração e vigílias à luz de velas para as vítimas do devastador atentado com um carro-bomba na noite de sábado (2), em um bairro central e movimentado de Bagdá, cheio de cafés e lojas. O Ministério da Saúde informou na terça-feira que pelo menos 250 pessoas foram mortas.

Se ampliarmos a lente sobre o Iraque, pode-se ver um panorama de sofrimento que a maioria dos iraquianos atribui a más decisões dos Estados Unidos e do Reino Unido.

Mais de 3 milhões de pessoas deslocadas de suas casas por causa da luta contra o Estado Islâmico; cidades em escombros; um governo pouco funcional que enfrenta uma grave crise financeira; milícias controladas por iranianos que parecem mais poderosas do que o Exército iraquiano.

Muitos iraquianos levaram tudo isso em consideração ao acompanhar o debate e as notícias sobre o Relatório Chilcot.

Alguns iraquianos sentiram um pouco de satisfação ao ver Blair —que fez uma declaração na quarta-feira em que disse ter assumido "total responsabilidade" por quaisquer erros relacionados à guerra— ser convocado para explicar suas decisões.

"Hoje eu me sinto muito feliz", disse Salim Hamid, 44. "É como um casamento para mim ver a pessoa que destruiu meu país estar nervoso porque lhe fazem várias perguntas."

Hamid disse que desejava poder jogar um sapato em Blair —um insulto grave no mundo árabe— da mesma forma que fez um jornalista iraquiano contra o presidente George W. Bush quando visitou Bagdá em 2008.

Alguns observaram que o número de mortes britânicas na guerra, 179, era nitidamente menor do que o número de iraquianos mortos só no domingo.

Haidar Sumeri, analista iraquiano que fez a comparação no Twitter, escreveu em um e-mail: "Isso deixa em evidência o grau de irrelevância do sofrimento iraquiano no Ocidente".

Ele continuou: "As pessoas veem outro atentado em Bagdá, reviram os olhos, fazem um comentário sobre como as coisas estão ruins por lá e seguem em frente. Ninguém realmente gosta de pensar sobre como chegamos a esse ponto, como podemos mudar a situação ou aprender com o que aconteceu para que não aconteça novamente".

Não é que muitos iraquianos não tenham gostado da chance de ser livres de Saddam Hussein e de sua crueldade.

Muitos refletem sobre o passado, dizendo que antes da guerra eles tinham esperança e entusiasmo sobre a perspectiva de mudança. Mas, agora, eles se sentem traídos pela má gestão da ocupação, e pelos líderes que vieram depois.

"Esperávamos ser o melhor país do mundo e agora nos tornamos o pior", disse Hussam Yohana, 30, que perdeu seu primo, Maher, proprietário de uma loja de perfumes, no atentado de domingo.

Tradução de DENISE MOTA


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