Folha de S. Paulo


Em meio a tensão racial, cinco agentes são mortos em Dallas durante protesto

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Pelo menos um atirador alvejou um batalhão da polícia que acompanhava uma manifestação em Dallas (Texas), na noite de quinta-feira (7), matando cinco policiais e ferindo outros sete.

O protesto no Texas, que começou e permaneceu pacífico por duas horas, com cerca de 800 pessoas, foi um dos vários que explodiram em cidades dos EUA após a morte de dois homens negros por policiais brancos nesta semana.

Três pessoas estão sob custódia das autoridades após a emboscada contra os agentes, tida pela polícia como cuidadosamente planejada e executada.

Um suspeito foi morto por um robô da polícia, após ter trocado tiros e negociado com as autoridades em uma garagem, durante a madrugada. "Não vimos outra opção a não ser usar nosso robô-bomba", disse o chefe da polícia de Dallas, David Brown.

"O suspeito disse que estava chateado com o Black Lives Matter ["Vidas Negras Importam", movimento que protesta contra a violência policial contra negros em todo o país]", disse Brown.

"Disse que estava chateado com as recentes mortes por policiais. O suspeito disse que estava chateado com os brancos. Ele afirmou que queria matar pessoas brancas, especialmente policiais brancos."

Agências de notícias identificaram o suspeito como Micah Johnson, 25. As Forças Armadas americanas disseram que Johnson foi da reserva e serviu um período no Afeganistão (entre novembro de 2013 e julho de 2014).

Em busca e apreensão na casa de Johnson na tarde desta sexta-feira (8), a polícia afirmou ter encontrado material para fazer bombas e um manual de combate tático. Enquanto estava encurralado, o atirador disse ter espalhado bombas pela cidade, mas até o momento nenhuma foi encontrada.

ATAQUE

Relatos iniciais das autoridades informaram sobre um ataque coordenado, com vários atiradores posicionados em diferentes posições.

"[Eles estavam] trabalhando juntos com rifles, triangulados em posições elevadas em diferentes pontos da área central da cidade para onde caminhou a marcha", disse Brown em entrevista no início da manhã.

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Em coletiva mais tarde, Brown relatou que, antes de ser morto, o suspeito disse que trabalhava sozinho e sem apoio de organizações internacionais. A polícia diz, porém, ainda não ter certeza de todos os envolvidos no tiroteio.

Além dos cinco policiais mortos e sete feridos, dois civis também ficaram feridos no tiroteio, de acordo com o prefeito da cidade, Mike Rawlings. O prefeito disse acreditar que nenhum dos feridos, civis ou policiais, tenha ferimentos que coloquem a vida em risco.

"Foi uma noite devastadora", classificou a polícia de Dallas no Twitter.

Em viagem a Varsóvia (Polônia), o presidente Barack Obama afirmou que "não há justificativa possível para este tipo de ataque ou qualquer violência contra autoridades".

Um dos cinco agentes mortos foi identificado como Brent Thompson, 43, integrante do departamento de polícia do Dart (agência do trânsito da cidade) desde 2009.

Dos onze policiais atingidos, dez foram baleados durante os protestos, segundo Brown. O outro foi ferido durante o tiroteio, na garagem, com o suspeito que acabou morto.

Vídeo de testemunha

O tiroteio ocorreu a um quarteirão da praça onde o presidente John Kennedy foi assassinado em 1963, e onde hoje há um memorial em sua homenagem

Esta quinta (7) foi o dia mais mortal para autoridades americanas desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, segundo uma entidade americana que contabiliza mortes de policiais e outras autoridades. Nos ataques de 2001, 72 oficiais foram mortos, diz a entidade.

Tiroteio em Dallas

Editoria de arte/Folhapress
MORTES EM DALLAS Atiradores mataram cinco policiais e feriram ao menos sete agentes e dois civis durante manifestação contra a morte de negros pela polícia

MORTES POR POLICIAIS

As mortes de Philando Castile, 32, e Alton Sterling, 37, foram o gatilho para uma série de protestos nos Estados Unidos, em sua maioria pacíficos.

A namorada de Castile, Diamond Reynolds, transmitiu a morte em tempo real, via streaming no Facebook, a partir de Falcon Heights, em Minnesota, na quarta (6).

No vídeo, é possível ver o policial que atirou em Castile, com a arma apontada para dentro do carro, e a filha de 4 anos da mulher chorando no banco de trás. "Você disparou quatro balas, senhor. Ele só estava pegando sua carteira de motorista", diz Reynolds.

Na terça (5), Sterling foi imobilizado, com o rosto no chão, em frente ao posto de conveniência onde vendia CDs em Baton Rouge, Louisiana. Após gritar "arma!" (que supostamente estaria no bolso do suspeito), o policial atirou várias vezes. Não prestou socorro imediato, conforme imagens registradas por celulares.

Sterling e Castile se tornaram os 122º e 123º negros mortos pela polícia americana em 2016, segundo banco de dados do "Washington Post".

O número representa 24% de 509 vítimas. Os afroamericanos somam 13% da população americana, segundo o censo.

As mortes reaqueceram o debate sobre racismo e violência policial nos EUA.

O presidente Barack Obama disse que não vê as mortes por policiais como "incidentes isolados" e que "todos os americanos deveriam estar profundamente perturbados" por elas.

O governador de Minnesota, Mark Dayton, afirmou que ninguém deveria morrer por causa de uma lanterna quebrada (o que levou Castile a ser parado pela polícia, segundo a namorada).

"Isso teria acontecido se passageiro ou motorista fossem brancos? Não creio", disse o governador, que pediu investigação federal.

VIRAL

Em outro vídeo, Diamond explica por que exibiu ao vivo a morte do namorado: "Quis que viralizasse. A polícia não está aqui para nos proteger, mas para nos assassinar".

"Em vez de cair num padrão previsível de divisão e politização do caso, vamos refletir sobre como podemos melhorar", afirmou Obama, o primeiro negro de 44 ocupantes da Casa Branca, horas antes do ataque no Texas.

O problema é que os EUA vêm refletindo há anos, sem que episódios semelhantes deixem de emergir, diz à Folha Eddie Glaude Jr., autor de "Democracy in Black".

"É a contradição fundamental no coração da América. Não importa o quão comprometidos dizemos ser com a democracia, neste país a vida branca tem mais valor. A qualquer momento alguém pode respirar pela última vez pelo único motivo de ser negro."

Como o era Michael Brown, 18, suspeito de roubar um pacote de cigarros em 2014 que foi morto por um oficial branco. O caso deslanchou semanas de protestos (alguns violentos) em Ferguson. A cidade no Missouri é 67% negra, e só três de seus 53 policiais não eram brancos à época.

"Em tempos como estes devemos lembrar a importância de unir as Américas", afirmou o governador do Texas, Greg Abbott, sobre a morte dos agentes.


Colaborou ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER, de Nova York


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