Folha de S. Paulo


Análise

Legado de Nigel Farage deve ser sentido por anos na Europa

O rei está morto, viva o rei. Nigel Farage renunciou como líder do Ukip mais uma vez, mas dessa vez pode ser de verdade.

Ele alcançou seu objetivo longamente desejado de que o Reino Unido votasse para deixar a União Europeia e transformou seu partido em uma força política baseada em sua imagem. Quem substituir Farage terá que aceitar: o homem e o movimento são uma só e a mesma coisa.

Andrew Cowie/Rex Shutterstock//Xinhua
O deputado europeu Nigel Farage renunciou à liderança de seu partido, o ultranacionalista Ukip
O deputado europeu Nigel Farage renunciou à liderança de seu partido, o ultranacionalista Ukip

Goste-se dele ou não —e há muita gente dos dois lados—, Farage indiscutivelmente fez mais para modelar a política britânica do que qualquer um desde Tony Blair, ex-primeiro-ministro do Partido Trabalhista.

Assim como levar David Cameron a realizar um plebiscito da UE em primeiro lugar, desempenhou um papel (embora mais discreto) ao contribuir para vencer isso e ejetar um primeiro-ministro em plena função. Nada mal para alguém que tentou sete vezes ser parlamentar e não conseguiu.

O legado de Farage, como o homem, é polêmico. Para seus fãs, ele deu voz a visões socialmente conservadoras, rejuvenesceu as bases da política de direita e colocou o Reino Unido no rumo para ser um país "independente".

Mas, para seus críticos, sua linguagem é muitas vezes xenófoba e, ocasionalmente, tingida de racismo, e ele deu uma plataforma para opiniões de direita radical e, durante a campanha do referendo, desencadeou uma onda de ódio que talvez não seja mais contida. Ah, e ele trouxe Neil Hamilton de volta à política como integrante da Assembleia de Gales.

O Ukip recebeu 3,8 milhões de votos na eleição geral do ano passado e tem o maior número de deputados no Parlamento Europeu. Apesar de o seu partido nunca haver tido avanços em Westminster, um fator que é sem dúvida a única decepção de Farage.

As deserções de Douglas Carswell e Mark Reckless do Partido Conservador terminaram em fracasso: Reckless perdeu seu lugar nas eleições gerais de 2015 e Carswell troca poucas palavras com seu líder. O ato final de Farage poderia ser o de manobrar para tirar do partido o único parlamentar do Ukip.

A competição para ser o próximo líder instalará batalhas entre as personalidades do Ukip. Será que vai continuar a ser o partido de Farage ou um novo líder o reformará?

Os dois competidores a observar são Steven Woolfe, deputado europeu e porta-voz de imigração do partido, e Paul Nuttall, que era o provável sucessor de Farage, mas que, como qualquer pessoa com ambições de poder no Ukip, foi marginalizado. Woolfe conseguiu ficar de fora de várias guerras desgastantes do Ukip e poderia ser uma figura unificadora para o partido.

A outra figura interessante é Suzanne Evans, que foi vice-presidente do partido e escreveu seu programa de governo de 2015. Ela é uma mulher habilidosa nos meios de comunicação, mas depois que Farage renunciou temporariamente no ano passado, ele se manteve impassível por conta dos rápidos esforços de Evans para substituí-lo.

Após sua "não renúncia", Evans foi retirada de várias funções no partido e atualmente está suspensa por deslealdade. Se o comitê executivo nacional do Ukip decidir reincorporá-la —se ela conseguir liderar o apoio das bases—, seria uma candidata formidável.

Evans encaminharia o partido em uma direção mais suave e liberal. Mas, sem dúvida, suas maiores oportunidades estão em outro lugar. Woolfe e Nuttall são homens do norte bem-sucedidos e deslocariam o foco do partido para longe dos tradicionais redutos de Kent/Essex para essas regiões do norte que votaram no "Brexit", no plebiscito, de forma esmagadora.

Como os integrantes do Partido Trabalhista estão desconectados agora da sua liderança, o cenário está pronto para um boom do Ukip. Para que isso aconteça, no entanto, seriam necessários disciplina, recursos e mensagens sutis, que evitaram isso durante a era Farage.

E o que acontece agora com Farage? Seu discurso de renúncia na segunda-feira de manhã foi um passo para se envolver na equipe de renegociação do "Brexit" do Reino Unido. Pode ser que abrigue ambições de aderir a um Partido Conservador liderado por Andrea Leadsom.

Ou ele poderia se unir a seu amigo milionário Arron Banks para criar um "momento de direita", um grupo de pressão pró-"Brexit" inspirado no movimento extra-parlamentar por trás de Jeremy Corbyn, líder do opositor Partido Trabalhista. Ou pode deixar a política e apresentar documentários de guerra e opinar na Fox News sobre a cultura britânica.

Como lhe é típico, Farage disse que primeiro terminará seu mandato de dois anos como eurodeputado, o que sem dúvida agradará Jean-Claude Juncker, presidente da Comissão Europeia. Ele pode estar se afastando da linha de frente da política, mas o legado do reinado de Farage será sentido por muitos anos.

Tradução de DENISE MOTA


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