Folha de S. Paulo


Análise

Brexit prejudica equilíbrio da UE e fortalece extrema-direita

Além de provocar um choque agudo, de curto prazo, à economia britânica, a primeira consequência do voto da quinta-feira (23) pela saída da UE será uma crise do governo em Londres. É quase certo agora que David Cameron renuncie ao cargo de primeiro-ministro e à liderança do Partido Conservador, e é provável que isso aconteça mais cedo, não mais tarde. Uma nova administração conservadora, de tom nitidamente mais anti-UE, tomará seu lugar.

Se não for administrado com cuidado, esse processo prejudicará as relações entre Londres e outras capitais europeias. Estas últimas vão interpretar o voto pelo Brexit como um golpe forte contra a unidade da Europa. Em nome da proteção dessa unidade, não vão querer oferecer termos pós-Brexit generosos ao Reino Unido. As negociações correm o risco de virar uma disputa mordaz, desviando a atenção da Europa de outras questões prementes.

Em segundo lugar, o Brexit tornará os mercados financeiros mais sensíveis às vulnerabilidades da zona do euro, composta de 19 países. A libra esterlina já mergulhou para o nível mais baixo em 30 anos. Os investidores vão querer saber se, à luz do choque do Brexit, os governos da zona do euro terão a disposição política e o apoio público necessários para fortalecer a arquitetura da união monetária europeia.

Isso será posto à prova quando se souber se a união bancária europeia, que inclui um plano para um seguro comum de depósitos, vai avançar nos próximos 12 meses. No momento, está bloqueada. Propostas mais ambiciosas, como um plano italiano de criação de "títulos de migração" europeus para financiar a resposta da UE à crise dos refugiados e migrantes, terão poucas chances de converter-se em ações.

Os países individuais da zona do euro serão sujeitos a escrutínio intensificado do mercado. Antes do plebiscito britânico, aumentou o "spread" de rendimentos entre os títulos de dívida do governo alemão e os de países europeus do sul, menos financeiramente sólidos.

As perspectivas para Portugal, governado por uma coalizão frágil entre a esquerda moderada e a radical, estão deixando os investidores inquietos. Os problemas da Grécia, de raízes profundas, nunca chegaram a desaparecer. Na Espanha, que terá uma eleição geral no domingo, as perspectivas de governo estável e reforma econômica são prejudicadas por um sistema político partidário fragmentado e o pelo separatismo catalão.

Em terceiro lugar, os movimentos políticos anti-establishment, especialmente os partidos de extrema-direita da Europa ocidental, vão sentir-se inspirados pelo Brexit. Um dos mais dinamizados será a Frente Nacional francesa, cuja líder, Marine Le Pen, está de olho na eleição presidencial de 2017. É pouco provável que ela vença, mas pode ser uma segunda colocada em posição forte.

União Europeia e Reino Unido

A extrema-direita não chegará ao poder em nenhum país da UE. Mas será capaz de atrair apoio suficiente para moldar o debate político, tanto à esquerda quanto à direita, e com isso influenciar as ações do governo. A política da imigração será um caso em pauta.

Em quarto lugar, a UE estará sob pressão para apresentar propostas de integração mais estreita. Um plano mal articulado como o chamado "Relatório dos Cinco Presidentes", do ano passado, abandonado imediatamente para juntar pó em Bruxelas, não bastará. Se uma união econômica e monetária muito mais estreita não puder ser alcançada, França e Alemanha apresentarão propostas para mais cooperação em áreas como a defesa e a segurança doméstica.

Finalmente, o Brexit vai perturbar o equilíbrio interno da UE. Com o Reino Unido fora da união, os sete países do bloco que não aderiram ao euro serão responsáveis por apenas 15% do produto econômico da UE, contra mais de 30% quando o Reino Unido era incluído. O Brexit vai intensificar a primazia política e econômica da Alemanha na UE, uma perspectiva que não é bem vista nem por Berlim, nem por seus parceiros.

O Brexit vai prejudicar a coesão, a confiança e a reputação internacional da União Europeia. A maior consequência de todas, portanto, é que o Brexit vai enfraquecer a ordem política e econômica liberal da qual o Reino Unido, a UE e seus aliados e amigos em todo o mundo são representantes.

Tradução de CLARA ALLAIN

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