Folha de S. Paulo


Podemos chega a eleição parlamentar como segunda força da Espanha

Trinta meses —menos do que o necessário para concluir um curso universitário— foi o tempo que levou o Podemos do nascimento até chegar às eleições do próximo domingo (26) como a segunda força política da Espanha.

Se as pesquisas que lhe atribuem 26% de intenção de voto estiverem certas, o partido criado em janeiro de 2014 por um punhado de intelectuais de esquerda desbancará, com sua aliança Unidos Podemos, o PSOE, centenário representante da social-democracia europeia.

Ander Gillenea - 21.jun.2016/AFP
O líder do partido de esquerda Podemos, Pablo Iglesias, faz comício em Vitoria, na Espanha
O líder do partido de esquerda Podemos, Pablo Iglesias, faz comício em Vitoria, na Espanha

Pablo Iglesias, seu líder maior, precisará esconder o rabo-de-cavalo que virou logomarca do partido para passear pelo centro de Madri de scooter sem ser incomodado.

"O que ocorre na Espanha se vê na Itália, na Grécia, em todo o sul da Europa, os países mais prejudicados pela crise. A frustração com as políticas de austeridade está levando à mudança, começando pelos eleitores jovens e pelos grandes centros urbanos", diz o analista político Rubén Tamboleo, citando as vitórias do Movimento Cinco Estrelas para as prefeituras de Roma e Turim (Itália).

O Podemos, herdeiro do movimento Indignados, que ocupou praças da Espanha a partir de 15 de maio de 2011, tem nos temas sociais seu eixo. Mais de 3 milhões de espanhóis deixaram a classe média e passaram a ser pobres desde 2009, segundo estudo da Fundação BBVA.

Hoje, 28,6% da população está em situação vulnerável, sob risco de exclusão social.

O cientista político José Fernández-Albertos, que estudou a evolução do perfil dos eleitores do Podemos, afirma que ele se tornou o partido dos eleitores em situação vulnerável.

Mas sua forma de falar com o eleitorado é tão importante para explicar o sucesso como a mensagem antidesigualdade, dizem especialistas.

O Podemos é um partido nativo digital, com grande capacidade de comunicação em redes sociais e criatividade para apresentar propostas. Nesta campanha, apresentou o programa de governo como um catálogo da Ikea, a gigante sueca dos móveis baratos.

"A vantagem do Podemos nas redes é que ele tem muito mais gente ativa. Esse volume e diversidade de pessoas faz com que haja mais fluidez e mais frescor na difusão das mensagens", diz José María Peredo, especialista em comunicação política.

O partido é eficaz também ao difundir deslizes dos adversários por Twitter e grupos de WhatsApp ou Telegram. Além disso, é liderado por um grupo de cientistas políticos treinados em debates de TV de grande audiência.

LIMITES

Seu crescimento exponencial, porém, levanta dúvidas sobre qual é o teto do partido. Para José Miguel de Elías, diretor do instituto de pesquisas Sigma Dos, pode estar perto da faixa de 25% atingida nesta campanha em aliança com a Esquerda Unida.

"No início, o Podemos se vendia como um partido mais transversal. Chegou a 30%. À medida em que foi se situando mais à esquerda, perdeu o acesso aos eleitores de centro e centro-direita", diz.

Segundo pesquisa do instituto oficial CIS, os espanhóis veem o Podemos em 2,2 em uma escala de 1 a 10, onde 1 é extrema esquerda, e 10, extrema direita. Na média, os espanhóis estão em 4,7.

O Podemos, que tem entre os ideólogos o teórico político argentino Ernesto Laclau (1935-2014), guru de Néstor e Cristina Kirchner, adota seus termos para o antagonismo entre "casta" e "gente".

A estratégia que elegeu populistas de esquerda na América Latina já foi uma obsessão dos líderes do Podemos. "Na América Latina aprendemos que se pode ganhar", diz Iglesias em documentário lançado na campanha.

A Espanha, porém, é parlamentarista, e para governar é necessária maioria absoluta ou a formação de alianças.

As eleições deste domingo (26) resultam do fracasso em formar um governo de coalizão após o voto popular se fragmentar, em dezembro de 2015, entre Partido Popular (PP, conservador), PSOE e os novos Podemos e Cidadãos.

Na época, o Podemos recusou um acordo com o PSOE e o Cidadãos (centro-direita). Agora, promete um pacto de centro-esquerda com o PSOE e partidos regionais.

Se falhar —ou se o PP, o favorito, falhar— o país terá sua terceira eleição em um ano.


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