Folha de S. Paulo


Às vésperas da eleição, esquerda espanhola está dividida

Uma batalha política sem precedentes está sendo travada na Espanha pelo controle dos eleitores da esquerda.

Após encabeçar seis governos e dominar a esquerda por quase quatro décadas, o Partido Socialista enfrenta o risco de ser ultrapassado por uma aliança liderada pelo partido Podemos, de extrema esquerda, em uma nova rodada de eleições que acontecerá no país no domingo (26).

O cenário faz lembrar o que aconteceu na Grécia em 2012, quando o partido Syriza venceu o tradicionalmente dominante partido socialista Pasok da Grécia.

O partido de extrema esquerda tornou-se a força governista no país, embora não se espere que a reviravolta na Espanha seja tão dramática, com a aliança Unidos Podemos bem atrás em votos, segundo pesquisas, do atual Partido Popular, conservador, do primeiro-ministro interino, Mariano Rajoy.

Os eleitores irritados com o desemprego elevado, com as impopulares medidas de austeridade e com escândalos de corrupção já abalaram o sistema de dois partidos em dezembro passado, ao abandonar os socialistas e o Partido Popular, e dar um forte apoio ao Podemos e ao novo Ciudadanos, favorável ao mundo dos negócios.

Esse resultado fraturado levou a seis meses de negociações infrutíferas para formar o governo, um resultado que, de acordo com as pesquisas, pode acontecer novamente.

As pesquisas também sugerem que os socialistas poderiam ser vencidos pelo Unidos Podemos, liderado por Pablo Iglesias, um professor de ciências políticas que usa rabo-de-cavalo e que surgiu no cenário político há apenas dois anos. Ele é co-fundador do Podemos, que formou uma aliança no mês passado com o partido Esquerda Unida, muito menor.

A base do Podemos é composta por jovens eleitores e socialistas de longa data que se sentiram traídos quando o ex-primeiro-ministro socialista José Luis Rodríguez Zapatero, em 2010 e 2011, deu uma meia-volta política, ao cortar gastos sociais e tornar mais fácil para as empresas demitir trabalhadores, para tentar impedir que a economia espanhola implodisse em meio à crise financeira.

JOVENS

A fragmentação da esquerda é ilustrada entre as famílias espanholas de esquerda, com pais que se mantêm com os socialistas, enquanto seus filhos adultos buscam a ruptura, com o Podemos.

Carlota Aguirre, 26, coordenadora de um curso universitário, afirma que cresceu rodeada por parentes socialistas, mas que agora apoia o Unidos Podemos. Ela diz que os socialistas parecem ter se perdido e que confiam demais em sua história consagrada, em vez de oferecer soluções para os problemas modernos.

Quando uma onda de despejos forçou alguns proprietários espanhóis a desistir dos seus apartamentos enquanto ainda deviam dinheiro aos bancos, ela pensou que as alternativas de extrema esquerda, em relação aos socialistas, estavam trabalhando mais para tentar impedir o problema.

"Eles não estiveram na linha de frente nessa nova era de mudanças políticas e econômicas que a Espanha está passando", diz Aguirre. "Acho que os socialistas estão vivendo no passado e que eles não são tão socialistas como o nome sugere."

Seu pai de 57 anos, Jorge Aguirre, disse que era um esquerdista incondicional quando votou nos socialistas aos 19 anos, mas que o partido se tornou mais moderado ao longo das décadas, assim como ele, depois de ter uma família e progredir na carreira em uma empresa de energia, até se tornar gerente de logística de gás natural.

Agora ele teme a possibilidade de cair no grupo dos espanhóis de classe média e classe média alta que são o alvo do Unidos Podemos para o aumento de impostos que prometeram implementar, com o objetivo de restaurar os cortes de programas sociais habilitados por Zapatero e Rajoy em nome da austeridade.

"Estou preocupado com o fato de que eles estão confundidos quando a quem são os ricos de verdade", disse ele. "Impostos mais altos assustam a mim e a todos aqueles que têm um salário decente depois de trabalhar por muitos anos."

LEGENDA

Que o Unidos Podemos termine em segundo lugar, à frente dos socialistas, seria um golpe enorme para um partido que teve os ex-primeiros-ministros Felipe Gonzalez e José Luis Rodríguez Zapatero, cruciais para a formação de uma Espanha moderna e democrática após o retorno do país à democracia, em 1978, três anos após a morte do ditador Francisco Franco.

Tal cenário seria "um terremoto político, porque a força hegemônica da esquerda seria despojada da sua liderança por um partido emergente, uma coalizão de forças de esquerda", disse Antonio Barroso, analista baseado em Londres, da consultoria de risco político Teneo Intelligence.

O Partido Popular venceu as eleições de 20 de dezembro com 123 lugares em um Parlamento de 350 cadeiras, mas não conseguiu obter apoio suficiente dos outros partidos para formar governo.

Os socialistas alcançaram um distante segundo lugar, com 90 assentos —o pior resultado de sua história— e fizeram uma tentativa desesperada e, no final, inútil para obter o apoio do Podemos e montar um governo em conjunto, e esse fracasso foi o que levou à nova eleição.

Pesquisas realizadas ao longo do último mês e especialistas preveem que a eleição deste mês irá produzir outro resultado inconclusivo.

Enquanto ainda se espera que o Partido Popular obtenha a maioria dos votos, qual partido terminará em segundo lugar é uma questão crucial, porque Rajoy poderia não conseguir novamente convencer os outros a se unir a ele em uma coalizão de governo ou em um governo minoritário. Isso daria ao segundo maior partido a oportunidade, mais uma vez, de formar governo e evitar mais uma eleição no outono.

De muitas formas, a divisão da esquerda na Espanha está se autoperpetuando. Tanto os socialistas como os integrantes do Podemos concordam que tantas coisas os unem e eles deveriam chegar a um acordo para garantir que o Partido Popular de Rajoy não amplie seu domínio sobre a Espanha, mas parecem não chegar a um acordo na mesa de negociação.

Após a votação de dezembro, o novo líder dos socialistas, Pedro Sánchez, conseguiu que o Cuidadanos concordasse com uma aliança governista, mas Iglesias se recusou —por isso é difícil para os analistas determinar como Iglesias poderia convencer os socialistas a se unir ao Unidos Podemos como um parceiro menor, depois de se recusar a fazer o mesmo.

A situação atual "não é confortável para os socialistas", disse Federico Santi, analista especializado em Espanha para a consultoria de risco político Eurasia Group.

"É difícil ser otimista não apenas em relação às perspectivas de curto prazo na Espanha, em termos do que vai acontecer no final de junho e no final das eleições e em um processo de formação de governo, mas também no médio prazo", disse ele.

No entanto, alguns analistas dizem que a provável incapacidade dos dois, de criar uma aliança de esquerda, deixa apenas uma possibilidade de governo para a Espanha: a chamada "grande coalizão" do Partido Popular e do Partido Socialista. Isso nunca aconteceu antes na Espanha e foi rejeitado no início deste ano por Sánchez, mas aconteceu em outros lugares da Europa.

"Ainda é cedo demais para anunciar a morte do Partido Socialista", disse Barroso.

Tradução de DENISE MOTA


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