Folha de S. Paulo


Presidente radicaliza regime e coloca em risco democracia na Nicarágua

Em apenas duas semanas, o presidente Daniel Ortega, 70, tomou três decisões que radicalizam seu regime e colocam em risco o processo democrático na Nicarágua.

Logo após anunciar-se candidato a um terceiro mandato consecutivo (a reeleição indefinida foi aprovada em 2014), Ortega informou que não será permitida a presença de observadores ou de organizações de direitos humanos internacionais nas eleições de 6 de novembro próximo.

Oswaldo Rivas - 10.jun.2016/Reuters
Tropa de choque da polícia da Nicarágua faz cerco em frente ao Conselho Eleitoral em Manágua
Tropa de choque da polícia da Nicarágua faz cerco em frente ao Conselho Eleitoral em Manágua

Também retirou a representação legal da principal aliança opositora, encabeçada pelo PLI (Partido Liberal Independente).

As legendas de oposição anunciaram que, por isso, não disputarão o pleito, deixando na cédula apenas o partido de Ortega (Frente Sandinista de Liberação Nacional) e agremiações menores alinhadas ao governo.

O Centro Carter (EUA) disse que a decisão de Ortega era um "ataque à comunidade internacional". Ao que o mandatário respondeu: "Nada de observadores, nem da União Europeia, nem dos EUA, nem de lugar nenhum. Eles que vão observar seus países. Eles sabem que na Nicarágua enfrentam um povo de vocação anti-imperialista".

Já o líder da oposição, Eduardo Montealegre, declarou que sua agrupação continuará "tomando ações legais para retomar a sigla e participar das eleições", disse à imprensa local.

"Essa decisão é um erro, pois a comunidade internacional não estava preocupada com a Nicarágua, a economia vem bem para os padrões da região, há investimentos estrangeiros entrando, e as chances de Ortega se reeleger sem precisar desses artifícios eram consideráveis", disse à Folha o analista político Oscar René Vargas.

POPULARIDADE

Os índices de popularidade de Ortega são hoje os mais altos da América Latina, entre 60% e 70%.

"Para muitos, ele ainda transmite a ideia de ser um governante preocupado com os pobres, mas creio que alguns elementos de seu discurso estão caindo em descrédito, como a ideia conspiratória de que os EUA estão derrubando os governos de esquerda da região, por exemplo", afirma Vargas.

Mesmo com uma projeção de crescimento do PIB para 2016 de 4,5%, os economistas nicaraguenses vêm dando sinais de alerta sobre uma possível deterioração dos índices no médio prazo.

"Nossas exportações são basicamente alimentos, 'commodities´, cujos preços vêm caindo no mundo todo", afirma o analista. "Além disso, notícias como essas das últimas semanas passam a imagem de um país em que o autoritarismo está crescendo, de que há um governo de mão dura, e isso obviamente afugenta os investidores."

Analistas ouvidos pela Folha creem que o declínio do regime venezuelano tem colaborado para que Ortega se mostre mais autoritário.

"Muitos dos recursos que financiavam os programas sociais aplicados na Nicarágua e que beneficiaram a população mais pobre vinham da Venezuela", afirmou à Folha Manuel Ortega Heeg, sociólogo da Universidade Centro Americana (UCA).

"Além disso, havia muito investimento daquele país e um comércio bilateral intenso do qual a Nicarágua se beneficiou bastante no período chavista. Essas medidas autoritárias, envoltas nesse discurso anti-imperialista, mostram que Ortega está demonstrando sentir-se cada vez mais isolado na região", completou Ortega Heeg.

Um dos principais problemas que Ortega enfrenta agora para assegurar sua candidatura, porém, é a cisão interna de sua Frente Sandinista de Liberação Nacional.

Partido histórico socialista, fundado nos anos 1960 e que, em 1979, derrubou a ditadura de Anastasio Somoza, a agrupação teve seus líderes mais tradicionais afastados por Ortega e sua mulher, Rosario Murillo —que ocupa o cargo de porta-voz do governo e, informalmente, é uma espécie de chefe de gabinete, a quem respondem ministros e congressistas.

Muitos políticos ligados a essa vertente mais tradicional do sandinismo não apoiam Ortega e Murillo e pensam em agrupar-se em um partido dissidente, de oposição.

A questão, agora, é se isso será possível, uma vez que as inscrições das chapas para as eleições terminam nas próximas duas semanas.

Ortega já concorreu nas eleições de 1984, 1990, 1996, 2001, 2006 e 2011. Essa será sua sétima candidatura.

O atual mandatário venceu em 1984, 2006 e em 2011 (dessa última vez, com 62,45% dos votos).

"Creio que esta eleição está definida em seu favor. A única coisa que poderia parar isso seria as pessoas saírem às ruas, mas para isso precisaria surgir uma nova liderança opositora", disse Ortega Heeg.


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