Folha de S. Paulo


Um ano depois, famílias de Charleston ainda sofrem por ataque a igreja

Muita gente se surpreendeu quando Nadine Collier se levantou em um tribunal da Carolina do Sul, um ano atrás, e disse que perdoava o jovem branco que havia assassinado sua mãe e outros oito membros negros de uma congregação religiosa, em um ataque por motivos raciais.

A irmã de Collier, a reverenda Sharon Risher, lembra ter imaginado como ela podia absolver com tanta facilidade o homem acusado dos homicídios, Dylann Roof, 22, pelo ataque, realizado durante uma sessão de estudo da Bíblia realizada em 17 de junho de 2015 na Igreja Metodista Episcopal Africana Emanuel, em Charleston.

Randall Hill/Reuters
Arthur Hurd, marido de Cynthia Hurd, que morreu no ataque, disse que não pôde voltar ao trabalho
Arthur Hurd, marido de Cynthia Hurd, que morreu no ataque, disse que não pôde voltar ao trabalho

Com a aproximação do primeiro aniversário do ataque, Risher e outras das pessoas afetadas pelos homicídios ainda não conseguiram se forçar a perdoar. Roof será julgado em novembro, por acusações federais de crime de ódio que podem resultar em sentença de morte, antes de encarar acusações estaduais por homicídio em janeiro.

"Não estou amargurada", disse Risher, 57, em entrevista por telefone. "Mas ainda não estou pronta a perdoar alguém que nem mesmo se comporta como se desejasse perdão."

Um ano depois do ataque, o país volta a sofrer com os efeitos da violência armada. A morte de 49 pessoas em Orlando nesta semana representa o pior homicídio em massa por meio de armas de fogo na história moderna dos Estados Unidos, e deixou dezenas de outras famílias imobilizadas pela tragédia.

Não haverá processo judicial contra o atirador de Orlando, Omar Mateen, que morreu em tiroteio com a polícia.

E embora o ataque dentro da histórica igreja tenha resultado na retirada da bandeira confederada da sede do Legislativo da Carolina do Sul, ainda não se sabe se o mais recente massacre promoverá mudanças.

Longe dos holofotes, as histórias das pessoas afetadas pessoalmente pela violência em Charleston ilustram seu impacto duradouro. Os efeitos do ataque sobre suas vidas persistem, desgastando relacionamentos familiares, incentivando mudanças de carreiras e deixando vazios em suas vidas que forma alguma de justiça seria capaz de preencher.

Risher deixou seu emprego como pastora em um pronto-socorro em Dallas, algumas semanas atrás, porque as demandas emocionais do posto eram pesadas demais, no momento em que ela enfrenta a dor pela perda de sua mãe, Ethel Lance.

Alguns membros de sua família se distanciaram depois do ataque, ela disse, porque cada pessoa lamenta perdas à sua maneira, e todos enfrentam dificuldades para compreender o acontecido.

Risher sente falta dos dias em que se deitava ao lado da mãe na cama desta e as duas conversavam até adormecer.

"Charleston já não tem a mesma magia, para mim", ela disse. "Pensando no passado, há essa grande nuvem pendendo sobre tudo. Mesmo que o sol esteja brilhando, só vejo cinza."

'PARA NÓS ELE ACABOU'

Myra, mulher do reverendo Anthony Thompson, foi morta no ataque, mas ele diz que sentiu que sua cura tinha começado ao expressar seu perdão a Roof na audiência sobre uma possível fiança para o atacante, dois dias depois do ataque.

Thompson, 65, não participou de outras audiências, optando em lugar disso por se concentrar em seu trabalho religioso e em uma nova campanha contra a violência armada.

"Dylann não é parte de minha vida ou da vida de meus filhos", ele disse. "É por isso que o perdoamos, para que possamos seguir em frente. Para nós ele acabou."

Alana Simmons, 26, perdeu o avô, o reverendo Daniel Simmons, no ataque, e sua vida profissional tomou outro rumo depois dele. Ela era professora de música no ensino médio, mas se mudou da Virgínia para a Carolina do Sul a fim de comandar o Hate Can't Win Movement, uma organização sem fins lucrativos que advoga pela diversidade na sociedade.

O foco no bem que pode surgir dessa tragédia a ajuda a enfrentar a dor, ela disse. "Não creio que seja possível guardar ódio no coração e sair pregando o amor", ela disse.

Arthur Hurd, 46, continua zangado. Zangado com a igreja por ter retido parte dos mais de US$ 3 milhões recebidos em doações, em lugar de distribuir o dinheiro todo aos sobreviventes e às famílias das vítimas. Zangado porque, mesmo que Roof receba a pena de morte, isso não trará de volta sua mulher, Cynthia.

Ele não retomou seu trabalho como marinheiro mercante, desde a morte dela. Um terapeuta que ajuda a lidar com perdas lhe disse que ele ainda não estava pronto, segundo Hurd.

"Eu só me animaria com uma sentença de morte se fosse eu a acionar o comutador", ele disse. "Tenho um buraco no peito, no meu coração e minha alma, grande o bastante para um trem."

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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